Manhã de quinta-feira

Sentei-me no sofá do centro acadêmico - até aquela altura, só o que me parecia útil nos centros acadêmicos eram os sofás - e abri caderno e livros de uma vez. A xícara de espresso, comprada alguns minutos antes na única lanchonete disponível, já dava sinais de que iria começar a esfriar. Então entrei no fabuloso mundo da modernização da imprensa. Por pouco tempo. Dali alguns segundos apareceu uma colega de classe, assustada, perguntando se eu também tinha prova. Prova? Não, graças à Deus, não. Sentou-se ao meu lado, abriu seu “O Guarani” e começou, com uma letra minúscula, a elaborar o que, a seu modo de ver, era a cola perfeita. A sensação de ter uma pessoa segura como ela ao meu lado foi boa, mas não durou por muito tempo também. O que me interessa a segurança? A popularidade dela era grande e, em segundos, já havia desistido de estudar.

À minha frente foi colocada uma mesa com muitas cadeiras em volta. Pessoas discutiam a história do Romance e suas características como se eu não estivesse ali. Acho que adoraria a discussão, se minha preocupação não fosse outra. “Aceita um cigarro?” - um deles sugeriu. Do outro lado, veio um “Obrigado, cigarro e café, só feitos na hora”, belo rapaz, risinho malicioso nos lábios. “Alguém tem isqueiro?”. Ao mesmo tempo, discutiam Ian Watt, Antonio Candido, Walter Benjamim.

A fumaça pairava, sufocante, entre os amigos. “Li tudo isso ontem e nem lembro. Tem anotações no meu texto e tudo, olha!”. Muitos ali nem se conheciam. Falavam como íntimos, unidos tentando superar o obstáculo em comum. “Você não vai se preparar, não?”, perguntaram-me diversas vezes. “Não tenho prova”, eu explicava. “E esse livro, é o quê?” - curiosidade, curiosidade. “Ela faz duas faculdades” - alguém tentava explicar aos que não compreendiam o fato de eu não estar nem um pouco preocupada com o que diziam. Cada um por si, é fato. No fim, a única preocupação de todos era o ranqueamento, o maldito ranqueamento com o qual só eu parecia não me preocupar, presa em meu mundinho de livros, monografias, fotos, entrevistas e alguns seminários.

Eu estava em transe no meio daquele zumbido infernal e daquela fumaça azulada vinda do pacote de Marlboro que alguém socializou com toda a mesa. Falavam entre si, falavam comigo, e eu não ouvia nada. De repente, o sinal tocou. Um a um, foram indo embora, enquanto eu, paralisada, olhava para o cinzeiro vazio, contrastando com o chão cheio de cinzas e bitucas. Sim, agora éramos só eu, meus livros, meu café frio, e, preso em minha pele, o cheiro do cigarro alheio. O silêncio voltou.

Lá estava eu, de novo, sozinha no sofá do centro acadêmico, livros na mão, modernização da imprensa, powerpoint, tcc, expectativas e sonhos, até que outro pseudo-conhecido se sentasse ao meu lado, engatasse um assunto qualquer e eu começasse, de novo, uma nova aventura na minha mente: é, pra mim é uma aventura sobreviver no meio de tantos “outros”.

Nica
Enviado por Nica em 25/10/2008
Código do texto: T1247127
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