O IPÊ

E passando pelo caminho por que tantas vezes transitara, ainda não notara a beleza que se expunha à beira do riacho que corria célere rumo ao Araguaia.

As cores exuberantes, de um amarelo berrante, destacavam-se à beira da estrada com seu porte imponente, desafiando o tempo, o sol e a chuva, enfeitando o cerrado ralo, inóspito e sem vida aparente, muito embora a mesma estivesse pulsando em todos os recantos onde se pudesse observar.

A própria fúria e ganância dos homens havia sido ludibriada, diante daquela beleza que se impunha naquele lugar ou mesmo alguém consciente se apiedara do pobre vegetal, evitando assim sua derrubada para a venda de sua madeira que é tão valiosa.

Enquanto eu passava, deixei que meu espírito abarcasse toda a beleza que se expunha e extasiava diante dos olhos que podiam apreciar a beleza tão rara e que geralmente só acontece uma vez por ano, dias antes da primavera.

Meu espírito procurava abarcar todo o cenário, onde se destacava o agreste do cerrado e o pequeno riacho que corria; eu via o Ipê de vasta beleza, desafiando a todos os que por ali passavam.

As flores amarelas conseguiam embelezar o resto da paisagem de um cerrado inóspito e seco, fazendo, no entanto com que debaixo da árvore um tapete amarelo se estendesse ao sabor do vento, onde, por muito tempo, repousei, como se fosse o único ser vivente do mundo que se deliciava com aquela beleza.

O riacho, correndo veloz, não se apercebia da grandeza daquele ipê que ali se colocara com intuito de alimentar os pequenos pacus que povoava suas águas que corriam rumo ao rio Araguaia. Parecia que servia apenas de transporte das flores que caíam e boiavam até serem devoradas de forma rápida pelos pacus que ali nadavam.

Quando as flores caíam seguiam, sobre as águas, flutuando e servindo de alimento aos peixes que costumam alimentar-se do petisco. As recordações daquele momento eram únicas e seriam eternizadas através da minha vontade

Enquanto deliciava-me do com o que via, lembrava-me de tempos passados, quando sentava-me debaixo do ipê e servia-me de suas flores como iscas para pegar pacus que naquela época vinham se alimentar das flores que caiam dentro dágua.

Eu colocava as flores no anzol e o lançava ao rio, que, flutuando, serviam de engodo para os peixes mais atrevidos que dispensavam as outras flores que, sem anzol, também desciam a corredeira.

Nestes momentos, meu pensamento costumava fazer contas e ver as probabilidades de um pacu vir a pegar justamente o meu anzol, diante de tantas outras flores que desciam lentamente, boiando nas águas.

Pensando em tudo, observei que diversos carros passavam velozmente e ninguém ainda agira como eu, parando e observando a rara beleza que encantava e enfeitava aquele local, que até parecia sagrado.

Encaminhei-me lentamente rumo ao ipê, sentido os odores e ouvindo os sons que se sucediam diante das gulosas abelhas que se sentiam como se estivessem em plena primavera, que, no entanto, ainda demoraria alguns dias para se instalar e engalanar toda a natureza..

A sucessão de pensamentos se chocava dentro de minha cabeça, através das lembranças e associações que eu podia fazer com aquele amarelo, cor de ouro, de tantos outros amarelos que fazem parte do nosso viver no dia-a-dia.

Cheguei ao pé da árvore, olhei para cima, apenas via os galhos frondosos, amarelos, como se as folhas nunca mais viessem a nascer, pois somente o amarelo era o destaque e o que se podia ver naquele momento.

Sentei-me confortavelmente, encostei-me no tronco, podendo sentir a firmeza e a robustez daquele ipê nascido naquele lugar por obra e vontade dos deuses, que queriam servir e embelezar a natureza e ao mesmo tempo alimentar os peixes que foram criados para fazer parte de um grande contexto de evolução.

Fechei os olhos e passei apenas a ouvir o zumbido das abelhas que volteavam em torno da arvore e de mim e volta e meia ouvia o som que já se fazia presente, quando uma flor era engolida por um pacu guloso.

Os odores das flores do cerrado se faziam mais forte à medida que procurava me abstrair dos pensamentos poucos sadios dos homens que vivem e se digladiam dentro das cidades, esquecendo-se de ver e sentir a natureza que lhe dá abrigo.

Uma ou outra abelha voava em torno de minha cabeça e isto não me incomodava, apenas sentia o som e podia até imaginar o gosto do mel, que seria feito a partir do néctar que elas, iriam retirar das flores amarelas.

Pensando no amarelo, um sorriso matreiro me vem à mente imaginando se poderiam as abelhas fabricar um mel com a mesma cor das flores que estavam sendo exploradas.Seria até interessante ver um mel da mesma cor das flores.

Por longo tempo, fiquei ali parado, sem me preocupar com nada, apenas queria sentir o calor do sol, o som dos pequenos animais, ouvir o barulho das águas, sentir os odores do cerrado e viajar através do pensamento, para, novamente sentir-me feliz, por estar parado ouvindo e sentindo a natureza.

Mas, como sempre acontece, as necessidades da vida e do tempo nos impõe limite e, então, tive que me levantar e mesmo com pesar parti, pensando que novamente terei a mesma oportunidade no próximo mês de setembro quando se aproximar novamente a estação onde o desabrochar das flores encanta e colore os campos, cerrados, e matas a que o homem chamar de primavera.

Quantas boas e lindas lembranças vieram e se foram, diante de uma mente que nunca se acomoda perante nada e sempre busca um novo rumo para encontrar e fazer um mundo, quando a beleza, ainda mais uma vez, possa ser admirada, sem medo, sem pressa e sem preconceitos.

Quantas recordações e lembranças vieram a minha mente que, embora em paz, não poderia ficar parada diante de uma beleza tão rara e bela como aquela. Eu observava de forma quase mágica os detalhes, os odores, cores e sons que se iam precipitando e de vez em quanto um carro conseguia quebrar aqueles momentos quase mágicos. Resolvi partir.

Liguei o carro, parti do local que deveria ser refúgio de fadas, duendes e todos os seres que tanto labutam na criação e manutenção da vida que se encontra em todas as partes por onde se ande.

17/09/03-VEM-

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 17/03/2006
Reeditado em 07/03/2009
Código do texto: T124583