O CANTO DA POUPA
O CANTO DA POUPA
Numa quintarola, lá ao cimo do povoado, ouviu-se o canto de uma poupa.
Segundo os mais velhos, o canto desse pássaro de cabeça adornada dum belo tufo de penas, era tido como um mau agouro, prenúncio de colheitas pobres, ou “ano de vacas magras”.
Era uma crença antiga que o povo cultivava; e entre crenças e superstições, um pouco de verdades, outro pouco de fantasias à mistura, assim se foram tecendo as lendas através dos tempos.
Eu, poucas vezes terei visto a poupa, quando pequeno, porque à transição da idade do sonho abalei para outras terras, onde a palavra poupa por estas bandas, soa a verbo poupar , visto que tal espécie não faz parte da rica fauna deste continente americano.
A poupa, também conhecida por boubela da família: upupídae; gênero: upupa. É uma ave graciosa, alem do ramalhete que lhe enfeita a cabeça, tem um bico longo e levemente curvo, plumagem acastanhada, sendo as asas pretas e brancas e a cauda preta. Alimenta-se de insetos e bem como de minhocas e outros anelídios terrestres e por vezes de pequenas cobras, portanto um ser útil. Não sei por que então seu canto, um característico hoop – hoop, que pode ser repetido ao longo de vários minutos, pode estar associado a mau agouro, mas, enfim, se os mais velhos assim diziam, com certeza deveriam ter lá suas razões, ou não.
Nessas referidas pequenas quintas quase sempre terras de sequeiro, ou seja, não irrigadas pelo engenho e mãos do homem, cultivavam-se algumas variedades de árvores frutíferas, especialmente cerejeiras, ameixeiras, e figueiras.
E, ao longo dos muros feitos de pedra sabe se lá de que tempos, que cercavam essas quintas, pendiam as ramagens das parreiras carregadas de uvas apetitosas, dando àqueles muros uma exótica beleza, dum telúrico de extasiar a vista e adocicar a alma. E em setembro, quando se completava a maturação dessas uvas, as ladinas raposas faziam jus à fama de exímias degustadoras de tão delicioso manjar.
Essas pequenas quintas, com raras exceções, faziam divisa com terrenos a mato, e em geral afastadas das povoações, por isso eram os lugares preferidos das perdizes, para no seu chão seco e morno se espanejarem. Por ali ficavam a cacarejar nas cálidas tardes, quando não perturbadas, pela presença do predador bicho homem, sempre pronto a não dar-lhes trégua.
E era nesses paraísos, dum telúrico intenso, deleite para a vista e para os ouvidos, sinfonia dos mais belos acordes, cujo solo era das vozes inefáveis dos melros (parentes do sabiá), e dos pintassilgos acompanhados de outras muitas vozes cada qual com suas peculiaridades, mas, todas de uma inexcedível beleza.
Os rouxinóis esses preferiam os salgueiros à beira rio, para extravasarem seu canto noctívago e inconfundível, desde a noitinha ao romper da aurora.
Hoje, tais quintarolas são apenas vagas lembranças de uns poucos. Aqueles espaços e, os demais terrenos a mato, onde predominava a urze que desde a primavera até fins de verão tingia a extensa paisagem de rósea cor e, impregnava o ar de intenso perfume a mel silvestre, foram tomados aquelas pelas silvas, estes povoados de certa espécie exótica para produção de madeira e celulose.
Aqui e ali, grandes manchas de pinheiros bravos, que além da resina, espalhavam seus pinhões ao vento, alimento predileto das perdizes, e das rolas estas aves de migração que procuravam aquelas paragens para nidificarem, e quando findo o verão retornarem às terras de onde tinham vindo, fugindo assim, aos rigores das estações de clima mais frio. Felizes seres alados que vão e, que voltam, quando melhor lhes convém.
Hoje, aquela beleza antes formada por várias espécies nativas, está irremediável-mente perdida para sempre.
Com a plantação massiva da tal espécie, destruí-se a flora natural e, em conseqüência, a fauna também. Só umas poucas espécies nativas em número muito diminuto conseguiram sobreviver à mudança do micro clima local, que foi acontecendo ao passar dos anos. As nascentes de água cristalina que abundavam por todo o lado, em sua grande maioria secaram. Oliveiras, algumas seculares, pararam de frutificar. A poupa e, outras muitas vozes da fauna que povoava aquelas terras calaram para sempre.
Ah, quem me dera ouvir, nem que fosse por um fugaz instante de uma tarde de verão, lá ao cimo, bem ao cimo, onde o sonho se encantou o hoop – hoop de uma poupa!...
Eduardo de Almeida Farias
13.9.2008