Subindo no salto

Subindo no Salto

suzabarbi@hotmail.com

Nunca escutei o conselho de minha mãe que me dizia para andar com “um saltinho”.

Na realidade, ela estava, de maneira bem delicada, me chamando de baixinha.

Sempre falava:

- Um saltinho, além de aumentar seu tamanho, vai te dar mais elegância.

Acho que além de baixinha, minha mãe duvida um pouco da minha elegância.

Apesar dos insistentes conselhos, sempre optei pelos rasteirinhos.

Além de mais confortáveis, são de risco zero para os dentes (associo salto alto a dente quebrado).

Mas tudo na vida tem sua primeira vez.

Festa black tie num dos clubes mais chiques da cidade e onde eu trabalhava.

Esse tipo de programa nunca foi o meu preferido justamente por causa do salto alto.

Sem saída.

Não ia ficar nada bem eu num vestido longo e de rasteirinha.

O jeito foi comprar uma sandália de salto.

E caprichei no modelo: salto oito.

Para quem nunca usou salto alto na vida, andar em cima de um número oito era, no mínimo, um atentado a minha integridade física e a de quem compartilharia a aventura comigo.

A sandália era um objeto de tortura.

Várias tiras cruzavam na altura dos dedos, o que deixava pouco espaço para que ali coubessem os cinco .

Tinha uma semana para aprender a andar naquela altura.

Meu quarto, na época, tinha um enorme espelho na parede e, aberta a porta, um estreito corredor me serviu de passarela.

Sandália no pé, ensaiei os meus mais cambaleantes passos.

O que era para me dar elegância, me fez parecer uma pata desengonçada.

Meus passos ficaram trôpegos e pesados.

Comecei a desistir de usar aquilo quando pensei que a outra opção seria pior: rasteirinha nenhuma do planeta combinaria com o meu vestido.

O jeito era continuar tentando me equilibrar em cima daquilo.

O sofrimento durou a semana inteira, até que chegou o dia da festa.

Agarrada ao braço de meu parceiro, saí à rua.

Paralelepípedo.

Como alguém consegue andar em cima de um salto oito, numa rua de paralelepípedo?

Literalmente capengando, consegui chegar ao carro, já sentindo o maior alívio quando sentei.

As tiras começavam a amassar os meus dedos e a noite nem havia começado.

Chegando ao clube, uma ótima surpresa: para chegar ao salão, tinham feito uma passarela de grama!

Pensei em voltar dali.

Paralelepípedo e grama. Era abusar demais da minha sorte.

Grudei o mais que pude no braço de meu parceiro e lá fui eu parecendo estar pisando em terreno minado.

Tarefa cumprida, tratei de achar logo a nossa mesa e jurei não me levantar de lá.

Olhava aturdida para todas aquelas mulheres que andavam para lá e para cá, na maior sintonia com seus saltos altíssimos.

Alguma coisa tinha de errado comigo. Como elas conseguiam e eu não?

Fui percebendo que, nós mulheres, entramos numa louca roda viva.

Começamos a competir com os homens, numa corrida desenfreada para mostrar o quanto somos boas em tudo.

Não satisfeitas, passamos a competir com nós mesmas.

Temos que ser ótimas profissionais, magérrimas, (tenho uma amiga que quer descartar seus quilos e pesar apenas gramas), celulite, então, nem pensar!

Já fez o cálculo do dinheiro gasto para cuidar apenas desses três itens?

Tem mulheres que deixam uma verdadeira fortuna em massagistas, esteticistas, nutricionistas, cursos e mais cursos de pós, pós, pós doutorado.

E ficamos satisfeitas?

De jeito nenhum!

Ainda temos que ser ótimas mães, perfeitas donas de casa, esposas exemplares, amantes insuperáveis, apresentadoras notáveis, para estar vinte e quatro horas por dia com um microfone imaginário na mão, anunciando o quanto somos formidáveis.

E a pergunta que não se cala?

Trabalhamos o dia inteiro,cuidamos da casa, do corpo, da pele, ajudamos nas finanças do lar e à noite ainda temos que seduzir?

Pois pode apostar que sim.

Tenho uma amiga, produtora de vídeo, que é a perfeita representante da linha “ser boa em tudo”.

Várias vezes por semana, cumpre um horário noturno puxadíssimo de gravações.

E ela ainda não acha tempo para ir a sex shop comprar um tanto de geringonças, para se transformar em uma verdadeira femme fatale depois de dezoito horas de trabalho?

Enquanto isso, os homens observam os nossos movimentos de birutas malucas.

Quietos.

Afinal, quem é doido e tem saúde o suficiente para competir com tanta atividade?

Voltei minha atenção para a festa. Animadíssima por sinal.

Percebi que eu também dava minha contribuição à lista daquelas que querem ser boas em tudo.

Por causa de um maldito salto alto, estava presa numa cadeira, olhando ao invés de aproveitar o festão.

Como se tivesse escutado meus pensamentos, a banda começou a tocar “I Will Survive”.

Nada mais apropriado.

Desafivelei a sandália, deixei-a debaixo da mesa e fui feliz da vida para o meio do salão.

Dancei. Dancei. Dancei.

Estava passando da hora de reconhecer algumas das minhas limitações.

E salto alto definitivamente é uma delas!

Fazer o quê?