No meio da madrugada, 
                um violão




          Voltava de uma elegante boda, e, de repente, encontrei, perambulando na madrugada cálida da Pituba, um violão seresteiro!
        Passava e muito da meia-noite. Meu bairro, àquela hora envolto num parcial silêncio, procurava os barzinhos, os restaurantes, os inferninhos e as casas de Show pornô, que se instalam, com condenável freqüência, na orla pitubana. 
         Noctívagos afoitos, trocando as pernas, atravessavam as ruas, denunciando que tinha tomado todas.
         Nas esquinas, travestis enxeridos  e excitados aguardavam, com requebros e sofreguidão, a chegada dos "companheiros" das altas horas...
         No céu, desviando-se de pedaços de nuvens ariscas, a lua deslizava soberana. A madrugada era de plenilúnio; perfeita para os afagos da "primeira noite",  como diziam os recém-casados de antanho.
         Sim, porque hoje, ama-se, transa-se a qualquer hora.  Faz-se amor no sol, na chuva; sob os olhos das estrelas; à luz pálida dos luares...
         Oh! Como são felizes os jovens d´agora:  marcam seus encontros amorosos nas alcovas que elegem.
         Mas eu dizia, lá em riba, que vinha de uma festa de casamento e que encontrara, no meio da madrugada, um sonoro violão. Apareceu-me carregado por três desafinados seresteiros. Seresteiros? Fazia anos que não os encotrava soltos pelas noites.
        Tive vontade de parar meu carro; abandoná-lo na sarjeta, e acompanhar, a pé, os três farristas, na sua peregrinação boêmia.
    Em marcha lenta, segui-os até onde me foi póssível ouvir os bordões e as primas do velho pinho. Deixei-os, lembrando-me de tudo o que lera sobre o violão no Brasil.  
         Ah, o velho pinho! Ele tem uma história bonita e comovente.
     Por isso, nunca será demais recordá-la; até em poucas e modestas linhas; como o faço agora.
         O violão, por muito tempo, foi um instrumento condenado. E, amaldiçoado era aquele que se atrevia a carregá-lo nas costas; nas mãos; nos braços;  e até no coração... 
         O piano, este sim, era o encanto dos salões; mormente dos salões grã-finos. 
    Henrique Pongetti, saudoso cronista dos anos 1950, escreveu: " Alguns rapazes de grandes famílias estudavam violão em segredo: o violão era a ovelha negra da família dos instrumentos de corda."
         Coube a um nordestino, com a ajuda de outro nordestino, no início do século 20, tirá-o da clandestinidade; dar-lhe dignidade e projeção. 

             Está nos livros que, em 1908, o maranhense Catulo da Paixão Cearense, ajudado pelo maestro cearense Alberto Nepomuceno, levou o violão aos salões do Instituto Nacional de Música.  Catulo foi vibrantemente aplaudido, disseram os jornais da época.
               Parceiro, o violão nunca decepcionou. Foi e será sempre o instrumento da saudade! Aonde ele chega, abafa, arrasa, comove.      
               Palmas, pois, para os seresteiros que, violão no ombro, estão por aí percorrendo as madrugadas, e, com canções dolentes, levando doces mensagens de amor aos corações apaixonados. Eles são poucos, mas ainda existem. 
    

       
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/10/2008
Reeditado em 14/11/2019
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