Para o amanhã depois do café
Só vai sobrar dinheiro e concreto. Aí morreremos de fome.
Por anos aquele galho cresceu livre, até encontrar o concreto da parede. Aí veio um homem com uma serra elétrica potente e foi-lhe arrancando vários pedaços, que iam caindo independentemente da dor da árvore. Tudo ela ficou sentindo em silêncio, era o seu corpo sendo arrancado.
Mas tinha lógica que isso fosse feito, pois os galhos representavam a ameaça de quebrarem-se as janelas com qualquer chuva ou vento fortes. Para a segurança dos habitantes das paredes, a árvore tinha que desviar ou teria inevitavelmente as partes de seu corpo arrancadas.
Aparentemente ela tinha escolha: era só desviar das janelas de vidro. Porque o concreto é mudo e jamais (neste mundo) poderá fazer o desvio por ela.
Da janela eu ouvi tudo: o barulho da serra, os pedaços caindo, o homem pendurado, o grito mudo de dor. De dentro das paredes, a euforia de quem se alegra com uma novidade diferente da rotina dos dias de escritório, mesmo sem saber o que exatamente aquilo significava: "agora teremos mais claridade", "isto aqui é melhor do que televisão", diziam os seres carimbantes.
Mas o grito mudo é o produto de uma dor que o Universo vai saber devolver ao homem. Assim como ele devolve todos os dias cada gesto de respeito e cuidado.