Cidade Nua
Estava eu vindo hoje cedo para o trabalho, a primeira segunda-feira após a entrada do horário de verão (de verão que começa na primavera em um dia com cara de inverno), um dia bem atípico no Rio de Janeiro, além de chuvoso, frio e cinzento as ruas estavam semi-desertas, muito pouco movimentadas. Acho que as pessoas ainda não acertaram os despertadores, pensei eu, apesar dos celulares e computadores que já na semana passada se acharam espertinhos e adiantaram uma hora em seus relógios. Mas aí me toquei, vi o comércio fechado, me certifiquei de que não era domingo (lembrei da vitória do Mengão) então só podia ser feriado comercial, exatamente: Dia do comerciário.
Vim andando pelas ruas vazias do centro e de repente me dei conta de que a cidade estava diferente, pela primeira vez em muito tempo eu a via de uma outra forma, reparava nos detalhes da arquitetura antiga e moderna, eu estava vendo a cidade despida daquela roupagem colorida e chamativa que são as vitrines das lojas, sem os apetrechos e penduricalhos que lhe colocam a força que são as banquinhas de camelô e sem aquele mundaréu de gente na rua te abordando para entregar panfletos que oferecem desde empréstimo de dinheiro a aluguel de carinho. Então eu pude olhar a cidade, olhá-la nos olhos, ver suas marquises, as fachadas, o casario antigo, pude vê-la como há muito não via, ou sequer havia visto antes. E tive um acesso de nostalgia, um sentimento estranho, senti saudade de um Rio que eu não vivi, de uma cidade que nem mesmo meus pais viveram. Senti falta daquele Rio das obras de Machado de Assis, senti saudade do Rio que Noel chamou de mulher, fiquei nostálgico pelo Rio Antigo de crianças na calçada do Chico Anísio.
Caminhando e observando, sem ter a visão arrastada a força para as inúmeras cores e formas das vitrines das lojas, pude perceber o quanto esta cidade deve ter sido bonita, como uma mulher já envelhecida que você pela primeira vez a vê desnuda e sem maquiagem, maltratada pelo tempo, é verdade, mas ainda podemos enxergar um pouco da sua beleza original. Eu vi hoje, pela primeira vez, a cidade nua.