SONHOS SONHOS SÃO
HORIZONTE ESCURO SE AVIZINHA. Procuro sua mão, não encontro. Coração em disparada. Lembro-me de Geraldo Vandré, perambulando louco pelas praças de São Paulo, depois de tanto pau-de-arara. Nem tudo são flores. O tempo voa, já diria um poeta futuro. A voz da aeromoça no alto-falante avisa que pousaremos para escala em questão de minutos. “Ponham os cintos, por favor”. Então me lembro de onde estou. Horizonte escuro. Sobre algum país da América Latina. Um frio percorre a espinha. Então temo pelos oprimidos hermanos. Meu país fictício não passa de uma ilha nesse universo em castelhano. Estará o aeroporto tomado por guerrilheiros? Ou militares? Não importa. Quase sempre é a mesma merda. No fundo, no fundo, toda luta é pelo poder. Por mais poder. Procuro respostas, nada. Já está tudo escrito. Em algum lugar. Talvez seja destino, esse que nos une em vôo cego. A palma da tua mão não tem linhas. E nunca sei por onde você anda. “Cuidado, qualquer esquina é um perigo!”. Inquieto, me remexo. Despejo pragas numa língua estrangeira por algum incômodo momentâneo. Não sei mais que língua é essa. Nem sei o que tenho falado. Procuro ser ouvido, esforço em vão. Meu passo trôpego denuncia uísque em excesso. O cachorro engarrafado do Vinícius. Embevecido por uma beleza quase platônica, conduzo-lhe pelo Muro das Lamentações, pela Muralha da China, pelas moradas dos faraós embalsamados. Encalacrado, reteso-me ao tentar sair desse turbilhão de sensações. Força inútil. Cantarolo uma canção do Chico, pra disfarçar o nervosismo: “Que sonho é esse de que não se sai / E em que se vai trocando as pernas / E se cai e se levanta noutro sonho”. Quando foi mesmo que comecei a ouvir Chico Buarque? Já nem me lembro. Talvez na época dos movimentos estudantis. Quando lhe conheci. Tínhamos o sonho de mudar o Brasil. E fazíamos planos, vários planos. Mas o país mudou pra pior. Então fotografo mais uma vez o horizonte escuro. Na turbulência, sinto e sei que é sonho. Não porque me vejo livre. Não porque nosso avião parece rumar a um lugar seguro. Mas porque na verdade você já não me quer. E pra ser mais correto, você nunca existiu. Foi só desejo. Abro os olhos. “Escuro aqui fora”. O mundo é sempre mais leve nos sonhos. A madrugada ainda nem chegou, quando o carcereiro conta entre grades que a Lei da Anistia foi sancionada naquela tarde de agosto. Talvez seja sonho. Mas é sempre bom voltar. Não importa de onde.
Wallace Puosso
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