A Reforma

A Reforma

suzabarbi@hotmail.com

Após oito anos de casados, compraram o apartamento do sonho da vida a dois.

Triplex.

Um luxo só!

Mas a cozinha era menor do que a área de serviço.

Não que fosse pequena mas a área de serviço era e-nor-me.

Ela foi logo implicando:

– Não podemos ficar com uma cozinha onde não cabe nada.

– Mas, mô...

– Já disse para você não me chamar de mô, benzão!

– Então pare você também com esse benzão. Me sinto como se tivesse engordado uns vinte quilos...

– Hummm...

– O que você quis dizer com esse humm?

– Humm, apenas humm...

Ele ficou furioso e a conversa acabou.

No dia seguinte e antes do bom dia, ela lascou um:

- Já falei: não fico com essa cozinha nanica. A Delânia reclamou que não tem espaço para guardar nada.

– Mas mô, são trinta metros quadrados de cozinha!

– Já disse para você parar de me chamar de mô...

– Tá bom! Mas antes você gostava...

– Gostava nada. Se economiza até nas palavras, o que não vai fazer com a cozinha!

Na semana seguinte, ele reclamou que Delânia não tinha acertado o ponto do molho pesto.

– Também pudera, ter que cozinhar nesse cubículo...

– Como é que você pode chamar uma cozinha de trinta metros quadrados de cubículo?

– Minha mãe esteve aqui e achou também.

– Não vou mais conversar sobre isso, mô. E este assunto para mim acabou!

– Pela última vez, não me chame de mô!!!! E acabada está é a nossa noite.

Ficou furiosa e trancou-se no quarto.

Ele ficou na sala, assistindo, sem ver, a um campeonato de golfe. Coisa mais chata, pensou. Mas para o quarto também não iria!

Dias depois, descobriram que o filho perdeu média em quase tudo no colégio.

– Claro! Este menino não está se alimentando bem!

– Por que? Está doente?, ele perguntou assustado.

– Não! O menino está estranhando o tempero da Delânia. Não tem mais apetite. Se continuar do jeito que está, vai acabar perdendo o ano e a saúde...

– Isto é uma ameaça?

– De jeito nenhum, benzão...

Ele a fuzilou com o olhar.

Resolveram inaugurar o apartamento com um jantar para os amigos.

Seis casais.

Cardápio definido, ingredientes selecionados, ele saiu para trabalhar, deixando-a em casa para supervisionar o encontro da noite.

Estava ansioso para mostrar o novo apê aos colegas.

Estranhou quando voltou e não viu movimento na cozinha.

Encontrou-a na jacuzzi.

– Não estou sentindo cheiro do jantar.

– Nem vai sentir...

– Como assim, “nem vai sentir”?, ele perguntou já em pânico.

– Você acha que podemos oferecer um jantar com uma cozinha desse tamanho?

– Mas você e a Delânia sempre fizeram isto muito bem!

– Fazíamos! Você conjugou muito bem o verbo! Fazíamos. Não fazemos mais.

– Por que? Ela está doente?

– Não! Está em plena forma. A cozinha é que não está.

– O que aconteceu com a nossa cozinha? Ele estava apavorado.

– Nada. Apenas estou mudando alguns detalhes.

Quando ela falava “alguns detalhes”, podia ter certeza que era

bomba na certa.

Correu para lá e não acreditou no que viu: a parede da cozinha estava no chão. Entulhos se espalhavam por todo o lugar e, em meio a tudo, estava um andaime e-nor-me!

Ele voltou para o quarto em estado de choque:

– Como você se atreveu a fazer isto sem me consultar?

– Falei que não ficaria com aquela cozinha esmirrada. Você é que não quis escutar, ela continuou ensaboando as costas.

– Os convidados estão chegando!

– Estão não. Desmarquei. Estamos em reforma.

– Estamos? Isso é o que você pensa! Desta vez você passou dos limites!

– Quem vai passar dos limites é a cozinha, benzão...

– E não me chame de benzão, ele gritou.

Arrumou as malas e partiu para um apart-hotel.

Na manhã seguinte, ainda furioso, foi ao café da esquina para tomar um chá, quando deu de cara com ninguém menos que sua ex-mulher.

Nenhuma notícia dela em todos aqueles anos e justo naquele dia ela tinha que estar linda e ruiva na sua frente.

O dia não começava bem...

- Você? Ela perguntou.

– Mudei tanto assim?

– Quanto tempo!

– Quanto...

– O que faz por aqui?

– Tomando chá.

– E desde quando homem casado toma chá na rua? Continua casado?

– Rãm, rãm...

Ele resolveu mudar o rumo da conversa:

– E você, o que faz aqui?

– Separei.

– Que pena.

– Nada! A vida de solteira é boa também.

– Você está muito bem.

– Obrigada! Você engordou um pouquinho...

– Ganhei massa muscular!

E desconversou:

- O papo está muito bom mas tenho que ir. Foi muito bom revê-la.

– Também achei.

– Nos vemos por aí.

– Nos vemos...

Falou isso rezando para não vê-la nunca mais!

Quando chegou ao escritório, mil recados da mulher: sentia sua falta, fez no impulso, volta para casa!

Não respondeu.

Ela precisava deixar de ser mimada.

Ao final do dia, foi tomar um chopp no bar do apart-hotel.

E lá estava ela de novo: linda e ruiva.

Sozinha.

Tomando um dry martini.

Sempre elegante.

– De novo por aqui? Ela deu uma risadinha e fingiu não perceber o mal estar dele.

– Mundo pequeno esse...

– Tem certeza mesmo que continua casado?

– Apenas uma discussão.

– Então vamos brindar ao mundo pequeno.

Alguns brindes depois, eles se redescobriram.

Reacenderam a velha paixão.

Ele pensou: como pude me separar desta mulher?

Ela pensou: como ele se tornou este charme de homem?

Estavam hospedados no mesmo apart-hotel.

Passaram para o mesmo quarto.

Quando a mais recente ex do pedaço soube da bomba, chorou um Mississipi assentada nos entulhos da cozinha e rogou praga ao novo casal: eles estariam condenados a morar numa quitinete, com a menor cozinha do planeta!

Em menos de um mês, os dois compraram uma casa, com uma cozinha de cinqüenta metros quadrados.

Ele nunca a chamou de mô e ela nunca o chamou de benzão.