Jocrésia

Jocrésia

suzabarbi@hotmail.com

Jocrésia realizou um grande sonho: comemorou seus 50 anos com uma festa de arrasar Paris em chamas!

Era o máximo para uma nordestina “quase” retirante. Quase porque o pai, “seu” Crésio, de quem legou uma parte do nome, coisa comum por aquelas bandas, bateu o pé e gritou:

- Moleca, aqui nunca te faltou sustento!

Dona Jocasta, a mãe, da qual legou a outra parte do nome, só fazia chorar. Não queria se meter na briga do pai com a única filha.

Mas Jocrésia não se fez de rogada: embarcou no primeiro ônibus, levando na mala o pouco dinheiro que o pai, “seu” Crésio, lhe dera, depois de muito insistir para que ela desistisse daquela sandice de morar no Sul.

Tinha formado com louvor no curso de secretariado, diploma que levava guardado numa caixa de veludo azul, azul...

Foi assim que desceu na rodoviária daquela estranha cidade.

Alugado um quarto, passou a vasculhar todos os anúncios de emprego, metendo-lhes um círculo vermelho em volta, tão logo apreciasse as ofertas.

Não demorou a encontrar vaga como recepcionista em uma empresa da construção civil.

O sotaque e a simpatia eram seu cartão de visita.

Fez amigos.

Era eficiente que só e em pouco tempo foi promovida à secretária.

Dali para a diretoria foi um pulo.

Alojada numa ampla sala, Jocrésia, mais Jô do que Crésia, era a felicidade em pessoa.

Nada passava sem que por ela fosse visto.

E não tardou a ver que nem só de construção a empresa vivia...

Fez cara de grama e deixou que pensassem que ela pastava.

Aumentaram-lhe o salário.

Mas Jocrésia, mais Jô do que Crésia, não tardou a entender que a empresa também tinha outros segredos.

A esposa do presidente tinha um caso com o gerente financeiro!

E não fazia questão de esconder isto de Jocrésia, trocando olhares afetuosos com o tal diante dela, para depois balbuciar um rápido, porém ameaçador:

- Você não viu nada, heim?

Além de grama, seria estátua viva.

A vida era uma mistura de sustos e prazeres.

Dos sustos o trabalho cuidava e dos prazeres os amigos ajeitavam.

Numa saída conheceu Joel Furioso, apelido mais esquisito para moço tão gentil.

Apaixonaram-se, mas ele se esquivava toda vez que ela lhe perguntava o porquê de apelido tão esdrúxulo.

Soube na primeira noite que passou com ele.

A paixão não resistiu ao ronco furioso.

Mas o trabalho lhe reservava outro grande susto: a nova recepcionista passou a freqüentar demais sua sala. Tudo era motivo: mostrar o corte de cabelo, a roupa nova ou colocar a conversa em dia.

- Que conversa? – Jocrésia se perguntou.

Na sua terra, ninguém se aproximava assim se não estivesse querendo alguma coisa.

Foi aí que Jocrésia, bem mais Jô do que Crésia, entendeu o que estava acontecendo.

E para seu espanto até gostou.

Felizes da vida, foram morar juntas.

Foi ela quem organizou a festa dos 50 anos de Jocrésia.

Com 50 anos e um dia, os problemas de Jô começaram.

Acordou irritada.

No trabalho, quis morder um.

Mal ligou o computador, a máquina deu pane.

Chamou o técnico aos gritos e ele, após pequena vistoria, falou para ela jogar os arquivos desnecessários na lixeira.

Ela selecionou vários e passou a procurar a lixeira....

debaixo da mesa!

O técnico olhou para aquilo aturdido:

- D. Jocrésia, o quê a senhora está procurando?

- A lixeira e aqui não tem lixeira nenhuma!

A companheira levou-a ao médico.

A menopausa, muito mais pausa do que meno, estava invadindo sua vida, dando pausa na sua paciência, bom humor e até no seu tesão.

Deveria se chamar maispausa e não menopausa.

Até que o remédio receitado fizesse efeito, brigou no trânsito, bateu o carro e pintou as unhas de azul!

Sexo, então, nem pensar!

Sempre que o clima ficava propício, uma Jô ausente calçava uma meia kendall e caprichava nas sandálias havaianas.

Quem se arriscaria?

A companheira apiedava-se dela.

Mudaram-se para um condomínio.

Compraram um pastor alemão e puseram-lhe o nome de Jung Lu.

As casas do condomínio eram separadas por cercas vivas.

Muro não havia ali.

Não demoraram a conhecer a vizinha, moça cheia de manias.

Bicho de estimação?

Coelhos! Que pulavam de um lado pra outro com fitinhas coloridas amarradas ao pescoço.

Um dia, um convite: a vizinha as chamava para um lanche.

Conversa vai, conversa vem, a vizinha avisou:

- Serei sempre amiga de vocês desde que o cachorro não machuque nenhum dos meus coelhos.

Pegas de surpresa, elas logo providenciaram a troca da casinha de Jung Lu para bem longe da cerca da vizinha.

Na segunda, saíram para trabalhar, não sem antes ameaçarem o cão:

- Não vá para lá! E apontaram para a casa da vizinha.

Jung Lu apenas suspirou.

Quando voltaram do trabalho, a surpresa!

Um coelho todo sujo de terra jazia inerte entre os dentes de Jung Lu, ainda com a fitinha vermelha amassada no pescoço.

Depois do susto, a correria.

Pegaram o finado, lavaram, enxaguaram até deixá-lo branquinho novamente.

A fitinha foi passada e colocada de volta ao pescoço do bicho.

Pé ante pé, pularam a cerca viva e depositaram o coelho morto de volta a sua casinha.

No dia seguinte, saíram mais cedo para não se encontrarem com a vizinha.

Ao regressarem, deram de cara com ela e um caminhão de mudança.

- Mas o quê está acontecendo aqui? Perguntaram, temendo pela resposta.

- Não fico nesta casa nem mais um minuto!

- Por quê?

- Ela está mal assombrada. Enterrei, com estas mãos que a terra há de comer, meu querido Xexilin e o encontrei, hoje, mais branco do que nunca, dentro da sua casinha, com a fitinha lim-pi-nha amarrada no pescoço.

Mudaram elas.