O QUE VOCÊ GOSTARIA DE PRESERVAR PARA ESTE MILÊNIO? PARTE 2

Como é andar por cima do pé-de-moleque? Um tanto difícil, se você não estiver calçando um solado antiderrapante (ou seria anti-derrapante). Bem! Sapatos, solados e vocabulário à parte; é memorável, passear pelo calçamento das cidades históricas mineiras.

Não estou escrevendo sobre futilidades, neste exato momento, então, vou explorar um pouco, o meu velho, mas bem conservado livro de história.

“Durante os séculos XVII e XVIII surgiram em Minas Gerais, vilas voltadas para a extração dos minérios. A descoberta de ouro, no final do século XVII, atraiu pessoas de todos os lugares da colônia e do exterior, algumas delas, vieram de Portugal. Bandeirantes paulistas atravessaram a serra do mar e se embrenharam pelas selvas, desbravando florestas, aprisionando índios e procurando riquezas. Esta movimentação de pessoas, comércio (dinheiro), além de tropas portuguesas para impedir o contrabando das riquezas recém descobertas, fez surgir povoações ao longo do caminho. Alguns anos depois, estas vilas se transformaram em cidades ricas e capazes de desenvolver sua própria cultura artística. Redesenhando o estilo Barroco da metrópole, as cidades revelaram talentos artísticos como Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, o pintor Manuel da Costa Ataíde e o músico Joaquim Américo Lobo de Mesquita.”

Mas, uma das minhas paixões por Minas Gerais, tem a ver com "Ele". Você quer saber quem é ele? Ele tem uma aura de mistério, que o envolve e o deixa mais sedutor! Ele é considerado o maior escultor do período barroco; um exímio entalhador e passeia pela arquitetura com perfeição.

Parece que ele nasceu em Vila Rica no ano de 1730 (não há uma certeza histórica sobre esta data). Era filho de uma escrava com um mestre-de-obras português. Começou a sua vida artística ainda na infância, observando o trabalho de seu pai que também era entalhador.

A obra desse "poeta das artes" mistura diversos estilos do barroco. Nas suas esculturas estão presentes características do rococó e dos estilos clássico e gótico. Usou como; um dos materiais de suas obras de arte, a pedra-sabão, matéria-prima mineira. Mas, a madeira também foi trabalhada em suas mãos!

O seu apelido veio de uma enfermidade que contraiu por volta de 1777, aos 40 anos de idade. Começa um período trágico na sua vida, ele desenvolve uma doença degenerativa nas articulações. Não se sabe exatamente; qual foi à doença, o mais provável, conta seus estudiosos, pode ter sido hanseníase ou alguma doença reumática, que o foi aos poucos deformando e cuja exata natureza é objeto de controvérsias. De real, se sabe que ao perder os dedos dos pés ele passou a andar de joelhos, protegendo-os com dispositivos de couro, ou a se fazer carregar por ajudantes. Ao perder os dedos das mãos, passou a esculpir com o cinzel e o martelo amarrado aos punhos, também auxiliado pelos ajudantes.

Antes da doença, a sua fase é marcada pelo equilíbrio, harmonia e serenidade. São desta época a Igreja São Francisco de Assis, Igreja Nossa Senhora das Mercês e Perdões (cidades de Ouro Preto).

Na fase da terrível doença, o "Mestre" começa a dar um tom mais expressionista às suas obras de arte. É deste período o conjunto de esculturas; Os Passos da Paixão e Os Doze Profetas, da Igreja de Bom Jesus de Matosinhos, na cidade de Congonhas do Campo. O seu trabalho expressivo é formado por 66 imagens religiosas esculpidas em madeira e 12 feitas de pedra-sabão, considerado um dos mais importantes e representativos do barroco brasileiro. Contam os pesquisadores que o artista tinha mais de sessenta anos quando, as concebeu!

A Basílica do Senhor Bom Jesus de Matozinhos situa-se no topo do Morro Maranhão. O adro e a escadaria ornados pelos profetas do "Mestre" conferem-lhe uma imponência inconcebível aos olhos de qualquer pessoa.

O interior da Basílica é no estilo rococó e reúne os trabalhos dos artistas mais importantes da época. Sob o teto do coro, pinturas de Mestre Ataíde mostram para o deleite dos nossos olhos os três patriarcas de Jerusalém: Abraão, Isaac e Jacó.

A talha da capela-mor é de João Antunes de Carvalho, seu trabalho foi feito, entre 1769 e 1763. É considerada uma das mais antigas no estilo rococó.

João Nepomuceno, também responsável pela pintura do teto da nave, foi seu o tema da Santíssima Trindade no medalhão central. Por volta de 1818 e 1819, Mestre Ataíde fez um trabalho de repintura deste teto. O teto da capela-mor representa o sepultamento de Cristo e também é decorado com elementos rococó.

E, sobre as mesas dos altares, ficam os seis relicários feitos por “Ele” para o Santuário.

No adro do Santuário estão as esculturas em pedra sabão de 12 profetas: Isaias, Jeremias, Baruque, Ezequiel, Daniel, Oséias, Jonas, Joel, Abdias, Adacuque, Amós e Naum. Cada um desses personagens está numa posição diferente e executa gestos que se coordenam. Dessa maneira, o "Mestre" conseguiu um resultado “sui generis”, pois torna muito real, para quem esta observando o conjunto, a sugestão de que as figuras de pedra estão em constante movimento.

Na ladeira bem em frente da igreja, formando o conjunto arquitetônico do Santuário, construíram seis capelas, três de cada lado, denominadas de “Os Passos da Paixão de Cristo”. Em cada uma delas um conjunto de esculturas (estátuas em tamanho natural), narram o momento da paixão de Cristo. O "Mestre" esculpiu em cada imagem um vigor especial ao sofrimento. Contudo, em todas elas, a estrutura física é a de um homem atlético.

Preservar as cidades mineiras na sua concepção artístico-histórica vai além de mostrar todo o seu esplendor, vai além de mostrar o celeiro de artistas, que ela doou para a humanidade, vai além de perpetuar o nome de "Antônio Francisco Lisboa, o Mestre Aleijadinho".