Tentáculos do Povo
Sou sensível somente ao fedor do mundo, só vejo o podre nas pessoas: preguiça, vícios, ignorância, burrice, fraqueza. Olho no espelho e me envergonho. Sobre este olhar inquisidor é difícil dizer qualquer coisa. É sofrido não ser Deus e é desconcertante existir. Minhas palavras são responsabilidade que não quero, são um fardo pesado, meu andar é ridículo, minha voz é patética e está sempre fora do tom, e esse cheiro de cigarro me perturba, essa barriga de vagabundo, essa cara de cerveja.
As pessoas não compensam, às vezes covardes na ignorância ou pragmáticas na fraqueza. Vejo relativismo abusivo se dizendo hipérbole corajosa, vejo fraqueza e enfermidade travestidas de poesia e introspecção. Pedintes em cada esquina, ricos roceiros andando em caminhonetes pateticamente grandes e borracheiros cuspindo no chão, é o melhor retrato que consigo fazer da minha cidade. A existência de meus contemporâneos é uma agressão pessoal. Também não admiro meus amigos! Tantos poetas, filósofos, cientistas, músicos a um metro da mão, por que haveria de admirar amigos? Chatos, cretinos, burros e viciados! E a família? Quem não sente embaraço pela simples presença de qualquer familiar? Colocaram-me aqui por uma violência da natureza, não há como superar esse trauma facilmente. O ser humano se multiplica aos montes, adora deuses, se impressiona com histórias absurdas de seres de outros planetas, emburrece frente à televisão, se frustra com dinheiro, acredita que o otimismo é uma grande sabedoria, respeita charlatões, trai seus próprios princípios e falam demais!