Confissões de um Ex-Sedentário

Os privilégios da ociosidade, momento de reavaliar nossas aspirações e desenvolvermos nossas inspirações. As maravilhas do sedentarismo, o não fazer nada e simplesmente contemplar. Sim, estou falando novamente do Gênesis; tema recorrente. Precisamente do momento em que o Criador parou para descansar e observou que tudo o que tinha criado era belo. Depois amaldiçoou o homem: “Comerás do suor do seu trabalho”, uma forma de puni-lo por não valorizar a gratuidade daquilo que podia usufruir. Penso que foi assim que deixamos de ter corpos belos e sarados como dos deuses gregos e passamos a ser simples e esquálidos mortais.

Ênfase na palavra suor, pois o trabalho pode ser uma benção, mas o esforço físico certamente é castigo. Agora me pergunto: Porque malhar tanto para transformar suor em músculos se sei que desse esforço resultará inicialmente dor. Autopunição? É certo que se os planos da natureza era para sermos fortes e musculosos ela providencialmente nos pouparia o esforço. Seria esse um erro da natureza ou parte do propósito de valorização dos resultados?

Invejo as tartarugas que mesmo sem nada fazer; preocupar-se com o sedentarismo de suas vidas ou sua forma física conseguem viver mais de cem anos. E todos sabem que na fabula da corrida entre ela e o coelho nossa amiga preguiçosa levou a melhor. Mas não sou coelho, não sou tartaruga e tampouco vivo num conto de fadas. A triste realidade de nós homens é que somos muito frágeis e se não nos exercitarmos podemos ter inúmeras complicações, dentre elas as cardíacas, as mais alardeadas.

Razões ou desculpas para não me exercitar tenho várias: falta de tempo, dor, cansaço, esse tempo poderia ser melhor empregado na leitura de um livro ou locação de um DVD, etc. Motivos para me exercitar apenas um: é saudável. Esse me convenceu.

Isso tudo é para dizer que decidi abandonar meu já saudoso sedentarismo e me matriculei em uma academia. Estou fazendo musculação. A decisão já estava tomada há algum tempo. Plano de Ano Novo. Plano não, meta. Com data marcada. Porém entre a decisão e a ação houve um período de postergação para amadurecimento da idéia e também um acidente. O amadurecimento veio em forma de gesso. Braço quebrado, muita fisioterapia e a garantia e esperança de que a musculação fortalecerá os músculos do meu braço que, aliás, ainda hoje dá umas fisgadas quando carrego as compras do supermercado.

Fui poucas vezes, mas entre o atraso de dez meses e a possibilidade de isso se tornar uma meta desse ano não cumprida posso dizer que estou dois meses adiantado.

O pouco tempo ainda não deu para vislumbrar benefícios de um corpo saudável, mas já deu para saborear novamente o sadismo no olhar das pessoas quando me perguntam se estou gostando e eu tentando mostrar entusiasmo respondo que sim apesar de estar com o corpo todo dolorido. “Logo você se acostuma” - dizem os sádicos e eu começo a acreditar que sim.

Digo saborear novamente o olhar sádico, pois foi esse mesmo tipo de olhar que observei algumas vezes na sala de espera do ortopedista quando cada paciente narrava detalhadamente para deleite dos outros as aventuras que os trouxeram até ali e como tinha sido o atendimento e a dor que sentiam por seus braços, pernas, mãos ou pés engessados. Éramos a irmandade da dor e em algo todos nós concordávamos, os médicos e enfermeiros nos apertavam sem dó e pareciam sentir prazer com o nosso sofrimento. Diziam que os da perícia eram os piores. Seriam sádicos também?

Nesse período fui chamado de insensível por assumir que me sentia confortável por ver que o sofrimento alheio muitas vezes era maior que o meu. Claro que me solidarizo com todos, mas sou sincero na minha condição humana. Provável que todos, doentes ou não, freqüentadores de academia ou não pensem o mesmo em relação à dor e que isso não necessariamente faça de nós sádicos ou egoístas, apenas humanos.

Pretendo narrar futuramente às mudanças em minhas convicções e dizer que não vejo o esforço e suor como castigos. Quem sabe com um pouco de boa vontade isso mude? Também espero que mude meu corpo e veja benefícios em ter um corpo atlético e bem disposto ou que isso contribua para que eu conquiste a gata com formas perfeitas que fica correndo na esteira. É preciso sonhar. É preciso ser disciplinado e otimista. Assim poderei dizer que a dor, o cansaço e a persistência valeram à pena.