EU ACREDITO EM HORÓSCOPO

Acredito em horóscopo, sim senhor.

Para mim pouco importa que horóscopo não seja uma ciência.

Não que menospreze a ciência. Os cientistas têm lá as suas exigências e os seus méritos, não vou negar.

Por exemplo, devemos à ciência o Elixir da Eterna Juventude. Maravilha! O valor desta descoberta não tem preço. Viva o Viagra! Viva o Viagra!

Viva!

Há coisas que não se explicam, não adianta escarafunchar e também não adianta negar. Estão além da capacidade de prospecção da ciência. Vale para os cientistas o que Sheakespeare disse para os filósofos: “existem muito mais estrelas no céu do que pode supor a nossa vã filosofia!”.

Existe o inexplicável, ora se existe! “No creio em lãs brujas, pero que las ay, las ay”.

Considero-me um sujeito esclarecido, apesar de tudo.

Digo apesar de tudo porque não me liberto de minhas crendices.

Por exemplo: ponho fé em simpatia, uma coisa completamente fora de moda. Sei que é irracional, coisa de gente atrasada. Tudo bem, digam o que quiserem, mas que funciona, funciona. Afirmo e confirmo por experiência própria. Fazer o quê? Negar?

Meu irmão mais novo era asmático na infância. Uma negra velha, chamada Marieta, que trabalhou em nossa casa por mais de vinte anos e que conhecia simpatia para tudo (tanto que me deu as deixas de uma simpatia para pegar mulher que nunca falhou), me ensinou que barata torrada e transformada em pó era tiro e queda para asma.

Pois bem, não tive dúvidas. Não sosseguei enquanto não dei a tal poção ao meu irmão. Tinha muita pena dele. Ele sofria muito, não podia brincar como os outros. Qualquer cansaço, qualquer emoção mais forte e principalmente qualquer contrariedade, lá ficava ele como um peixe fora d’água, sufocava. Cansado de ver meu irmão caçula sofrer daquele modo, parti para o tudo ou nada. Preparei a poção mágica. Coloquei o pó de barata torrada no café com leite que tomávamos pela manhã. O diabo era que o pó não se misturava bem com o leite e parte dele ficou ali boiando. Gritei então, para a negra velha: “Sá Marieta, que pó é aquele que está no café do Luiz? Que coisa esquisita!”. Ela de lá, com a voz mais natural do mundo respondeu; “é um pouco de pó de café que atravessou o coador, não é nada não, pode beber!”. A Marieta era para nós como uma segunda mãe. Hoje não existe mais disso. De um modo geral as empregadas não dormem no emprego. Têm a sua merecida vida própria. Naquele tempo, para o melhor ou o pior, era diferente. As domésticas faziam parte da família. Então, confiante, o meu irmão bebeu a poção mágica. Bebeu-a prazerosamente. A outra empregada, mais novinha e puxa saco, contou à minha mãe o que eu mais a Marieta havíamos aprontado. Minha mãe, indignada me deu uma coça danada (naquela época era natural mãe dar coça nos filhos). Achei engraçado que à negra velha ela não disse uma palavra, não fez recriminação alguma. Ela respeitava a Marieta, que era mais velha do que ela e possuía poderes ocultos. Por exemplo, ela possuía o dom, a meu ver horrível, da premonição. Tinha um poder de previsão terrível: sabia, de antemão, o dia que as pessoas iam morrer. Via a data escrita nas paredes. Conclusão: todo mundo tremia de medo quando ela ficava, quieta, meio alheia, olhando para a parede. Minha mãe dizia para o meu pai, com ar apreensivo: “A Marieta está olhando para a parede”. Logo se estabelecia um clima estranho na casa. Sabíamos que alguma morte ocorreria entre os conhecidos.

Um mês depois do episódio do café com leite com pó de barata torrada, minha mãe veio desculpar-se comigo: meu irmão nunca mais sofreu um ataque de asma. Ficou livre daquilo, diga-se de passagem. Então pergunto: tenho ou não lá as minhas razões para as minhas crendices? São elas que alimentam a minha fé nos horóscopos.

Quando eu era menino, e passava meses e meses na fazenda de minha tia Irene, vi muitas vezes o retireiro Abílio rezar o rastro de algum animal, boi ou cavalo, atacado com bicheira. No dia seguinte, o bicho aparecia no curral: as larvas estavam todas caindo.

Certa vez, me apareceu um berne na cabeça. Minha tia preocupada me levou ao médico. Ele olhou, olhou e disse: “deixa amadurecer mais. Depois eu tiro”. Dias depois voltei para casa. Meu sofrimento era atroz. Cada picada da terrível larva doía tanto que me dava vontade de mijar. É a pura verdade! Pois bem, a Marieta quando me viu, disse logo: “Que maldade estão fazendo com o meu menino”( eu era o seu preferido , porque pegava o feijão, o arroz e a farinha no prato dela, fazia um bolinho e comia com as mãos, do jeito que ela comia. Ela se enchia de orgulho pelo fato do menino da casa estar comendo no mesmo prato e a mesma comida que ela). Pegou um pedaço de toucinho e amarrou com um pano na minha cabeça. No dia seguinte, o meu sofrimento acabara. O berne, sem ar, mudou-se para o toucinho, para poder respirar.

Ah Marieta, que saudades tenho de você! Se você estivesse viva eu jamais iria ao médico!

Horóscopo não se baseia em pesquisa científica, apesar de alguns astrólogos dizerem que sim. O máximo que poderíamos dizer é que se assenta em observações de outras épocas.

Então qual a sua força? A meu ver, o que suas conclusões despertam em nós. A mesma coisa que acontece com a leitura do Tarô.

Se duas pessoas tiverem nascido no mesmo dia e hora e minuto, forçosamente seus mapas serão iguais. É lógico, portanto, pensar-se que as previsões serão iguais. Mas aí se apresentam duas variáveis: uma, a do próprio astrólogo, pois é ele que interpreta o mapa, donde há sempre um componente subjetivo, outra, as associações de quem houve ou lê a interpretação. Estas também variam. Cada um sente de um jeito, processa a leitura à sua maneira: “En este mundo de dollor, nada es verdad o mentira, todo es el collor del cristal com que se mira” ( a frase consta de um poema denominado Campo Maior, cujo autor, para dizer a verdade não consegui descobrir. Mas adoro esta frase, ela sintetiza muita coisa para mim.Este é o que posso chamar de um ilustre autor desconhecido).

Não sou daqueles que abrem o jornal, lê o horóscopo e passam a pensar em outra coisa. Não, não sou desses. Leio, medito, apreendo a mensagem contida, e norteio os meus atos e passos inteiramente de acordo com as suas recomendações. Eles são a bússola que indicam o meu Norte, a cada dia, religiosamente.

Realmente levo o horóscopo em consideração.

Vou mostrar como funciona.

Hoje o meu horóscopo diz o seguinte (sou leonino, com muito gosto e orgulho, do mesmo jeito que sou flamenguista): “Garra, segurança, capacidade de ver longe e avançar em seus intentos pessoais. Some-se a isso talento para lidar com equipes e liderança inconteste – se você dominar a tendência a ter sempre a razão, melhor ainda! Evite se endividar hoje à tarde. A noite é o melhor período para bom entrosamento amoroso.”

Pois bem. Vamos do início à leitura: garra. Bom. Garra para quê, se estou aposentado e no momento não desejo nem disputo nada? Garra, para quem já está praticamente no “nirvana”?

Nesta altura da vida, vivo num astral especial. Libertei-me de muita coisa. E não preciso praticamente de nada. Minhas necessidades são as dos outros, não as minhas. Estou como o Lula: Paz e Amor.

Mas se o horóscopo fala em garra, algum sentido tem. Imagino que possa ser necessária para enfrentar esta dor que tenho nas cadeiras e na cabeça do fêmur. Desgaste de material, osso atritando com osso. É, pode ser isto. Para enfrentar este surdo tormento preciso de garra mesmo, porque é de lascar. Essa dor tem sido uma lição para mim: agora compreendo melhor porque as mulheres ficam tão combalidas quando sofrem de enxaqueca! Se a dor na bacia já é ruim, imagine a sensação de um punhal atravessando a sua cabeça! A dor permanente vira hábito. É como a dor psíquica. Ela passa a ser você. Se não tiver garra, fica deprimido e desacochado da vida .

Ora, pensando bem, para superar a dor e os sentimentos decorrentes, preciso de garra mesmo. É isso. Garra. Tenho que afiar as garras! Afiar as garras para enfrentar a velhice.Cuidado, gente, as garras do leão estão hoje afiadas! Pena que não tenha mais dentes.

O horóscopo fala em Segurança. É, hoje até que me sinto seguro mesmo. Não me perguntem porquê. Coisa do astral .

Capacidade de ver longe.Bem, esta qualidade sempre tive, apesar de não levar em consideração o que estava vendo. Casei-me quatro vezes! Se respeitasse o meu dom talvez não tivesse casado nunca, nem uma, nem duas, nem três vezes, pois de antemão já não antevia as catástrofes que estavam por acontecer? É forçoso reconhecer: vejo, mas não quero ver, finjo que não vejo, numa boa. E vou tocando, a vara ou o que puder, naturalmente. Agora, por exemplo, não estou vendo nada e nem quero ver porque na minha idade ver longe pode significar ou não ver nada a não ser um breu, ou ver uma cena nada agradável de se ver, com gente chorando e tudo. Portanto essa capacidade, apesar de latente, já não uso, ou uso muito pouco. Hic et Nunc, aqui e agora, é o meu jeito atual. Bem o resto é melhor não ver. Ou melhor dizendo: é melhor fazer uma triagem do que quero ver. Os netinhos, por exemplo: estes quero ver.

Avançar em meus interesses pessoais.Bem, aí não há mesmo mais nada a fazer. Já não lido com interesses pessoais e nem me dou muito bem com quem lida. É coisa do passado. Hoje, não tenho interesses, por assim dizer, ou pelo menos interesse novo. Digamos que administro os antigos, os que sobraram ou ainda não caducaram. Para ser honesto, nunca tive grandes interesses, no sentido material, que parece ser ao que o horóscopo se refere. Nunca me esforcei muito para ter. Minha luta foi para ser. E meu maior interesse é botar esta vontade antiga de escrever em dia, e o faço com grande prazer e de graça, como dizem. Provavelmente satisfaço assim uma necessidade de comunicação. Procuro não me tornar uma ilha. Bom, posso deduzir que hoje seja um dia bom para escrever. Em obediência ao horóscopo é o que estou fazendo.

Lidar com equipes. Ah, essa é boa! Só se for com a equipe das mulheres aqui de casa: esposa, sogra e filha. Êta turminha poderosa, sô! Elas têm o que se chama espírito de corpo – formam um cartório. E que cartório! Reconheço que vivo na berlinda. Dependo delas, essa é que é a verdade. Bobeou, dançou. Elas são poderosas, sabem porquê? Porque o velho Leão não sabe viver sem elas. Dizem que o homem que chega à idade mais avançada é um náufrago. Ele nada desesperado num mar sem fim. Elas, estas mulheres de minha vida, são as cordas que me ligam ao barco, as quais me agarro desesperadamente para me salvar. Sem elas, seria o naufrágio completo! Seria engolido pelas águas. Pela solidão.

Ter sempre razão é realmente uma tendência minha. Decorre realmente da natureza leonina. Vou tomar cuidado. Tenho um hábito horrível, considero-o nojento, principalmente para os que me cercam. Prevejo situações. Mas esta minha postura de sempre ter razão faz com que as pessoas reajam negativamente, de maneira às vezes neurótica, passando a negar por simples teimosia o que previ. E aí, quando a previsão acontece(geralmente acontece, deve ser a voz da experiência) digo, com ar superior: “eu não disse?”. Reconheço que é abominável. Hoje vou tomar cuidado. É melhor prevenir que remediar...

Evite se endividar à tarde. Esta é boa. Então me resta a opção de ir às compras logo pela manhã. Haja cartão! Haja fôlego!

Bem, agora vem o melhor. À noite está boa para o relacionamento amoroso. Esta frase me assanhou! Que bom. É hoje!

Ligo para minha mulher que foi cedo para o trabalho(agora a coisa se inverteu: ela vai para o trabalho e eu fico em casa).

- Oi !Sou eu...

- Oh, amor, tão cedo?

-Pois é..imagina que estava lendo o horóscopo...

-Ah, e o que ele diz?

- O meu ou o teu?

- O teu.

-Aqui diz que à noite é indicada para o amor...

- Pô, João, estou no trabalho...que conversa de cerca Lourenço é esta?

- Sei lá...me deu saudade. Fiquei inspirado.

-Que bom. Você t’á querendo alguma coisa , o que é?

-Quero você, gostosa!Você....quero você nuinha esta noite...

–Ah é? (risos de contentamento e um certo nervosismo) T”á bom, me espere t’á, se você vem quente, eu vou fervendo (não sei porque senti um frio na espinha. Acho que despertei a loba. Quando a loba desperta, fica devoradora, devastadora. Traz muita areia para o meu caminhão...)

-Só que tem um coisa...

-Que é?

-Fiquei mesntruada.

-Hum...hum...(penso nas conseqüências do que vou dizer. Bem, nesse ponto acho que o horóscopo falhou): não tem importância, meu amor.Tô te esperando. Não demora, tá? Tô ansioso...

Joao Milva
Enviado por Joao Milva em 20/10/2008
Código do texto: T1238499
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