Em que mundo habito?
Teresa Cordioli
29/09/2008
Essa é a pergunta que não me cala:
- Quem sou eu?
Sempre me foi uma incógnita, quem?
Que mundo habito? Quem são os que me rodeiam?
Hoje no meu silencio, descobri que faço parte de uma grande gangue...
Uma gangue que se chama humanidade.
Descobri que nesse meio onde eu habito reina o ódio, a inveja, o rancor, a mentira a falsidade...
Com os meus olhos eu vi que o duelo dos homens, pela ganância pelo poder, pelo ter, faz com que não se respeitem mais, por não conhecerem o amor... E se entre eles houver aquele que tenta conhecê-lo, é excluído do meio...
Ah, quanta hipocrisia nos olhares, quanto medo, quanto engano, quanta falsidade eu vi dentro dos olhos dos meus irmãos...
Mesmo assim não desisti, segui com o tempo sem olhar para trás, fui rasgando o amanhã como vento em grandes temporais na esperança de descobrir o que estou fazendo aqui. Pergunto-me o que posso fazer para mudar essa rotina? Procuro algo que eu possa fazer e não encontro uma luz, então por conta e risco resolvi amar e perdoar sem medidas, mas isso não foi suficiente, uma voz me disse:
- Em primeiro lugar você necessita entendê-los, ai sim, você poderá perdoá-los e amá-los intensamente. Só que para entendê-los eu tive que me juntar a eles, viver o dia a dia deles, saber o que os fazem tão frios na matéria do amor, então me vi diante de mais um desafio, um grande desafio: Conhecer o berço de cada um, ali onde se guarda todo segredo.
O primeiro berço que conheci foi com a chegada de um casal da maternidade, dias difíceis, papai corre para pagar maternidade, comprar fraldas, enfim tudo o que se muda com a chegada do novo rebento, a mãe apavorada com as ultimas arrumações do quartinho do bebe, tipo papel de parede, almofadas, babá eletrônica, sem contar com as dores no seio, acha que não vai conseguir amamentar, a criança chora, ela diz ter pouco leite, incomodada pede para o marido voltar á farmácia e comprar leite NAN e uma MAMADEIRA, pronto, tudo resolvido, o neném mamou rapidinho e foi para o berço, dormiu e as feridas do peito começam a cicatrizar.
A Babá contratada chega e tudo se tornam mais fácil, os pais agora podem descansar, a Babá é profissional no assunto (recém-nascido), os quartos ficam um pouco distante um do outro, a mamãe nem precisa se levantar se a criança acordar...
Logo pela manhã o casal é recebido com uma bela e farta mesa de café da manhã, afinal, cansados o marido precisa aproveitar os dias da licença paternidade para colocar seus negócios particulares em dia... Em seguida sai para contar para os amigos o quanto à criança é linda, fumar uns charutos longe da casa, afinal a fumaça é forte.
A mãe liga e recebe ligações, vai logo dizendo que tiveram sorte, pela maravilhosa ajudante, chegando a dizer que ela é uma verdadeira mãe para o bebe.
Fui conhecer o segundo berço, uma jovem muito novinha sai da maternidade acompanhada de sua mãe que carrega o bebe no colo.
No rosto da jovem um sorriso largo, olhar distante a avó toda preocupada faz sinal para o ônibus, sobem com cuidado a menina (mãe) nem parece ter saído da maternidade, foi parto normal, a avó já com mais dificuldades pela presença do bebe tão pequeno no colo...
Ao chegar em casa a jovem mãe foi logo tomar um banho enquanto a avó aquecia a água para banhar o bebe, em seguida o mesmo já banhado é levado para o carrinho pela vovó que o toma em seus braços como se fosse a mãe.
Em seguida a avó faz um jantar, serve para a filha que está deitada em sua cama falando ao telefone com as amigas colocando o “papo em dia” como costumam dizer, saber das novidades que aconteceram nos dias em que esteve no hospital.
A avó chega e pede para que a mãe amamente a criança, afinal já se passaram mais de 3 horas que saíram do hospital, a filha até tenta amamentar, mas não tem paciência, a criança ainda sem forças para sugar chora de fome por não conseguir pegar o bico do seio que nem se formou ainda.
No outro dia a avó corre para o posto de saúde mais próximo para ver o que pode ser feito. Orientada volta para casa com um bico de silicone, mas o processo é demorado (jovem não tem paciência), telefone toca, amigos já com saudades querendo visitar e dar uma roletada por ai... Assim vai, a avó para não ver a criança com fome toma a mesma decisão do berço nº 1, vai logo dando o leite em mamadeira, melhor do que ver chorar, à noite a criança dorme na cama de casal, o quarto é pequeno, não cabe berço, apenas o carrinho, ele vai dormir entre a mãe e a avó, mas hoje a mãe não está saiu com amigos foram em uma balada, a noite está fria, a avó o coloca bem juntinho do corpo para se sentir seguro e quentinho.
Fui visitar o terceiro berço, não vi a saída do hospital, fui ao fórum, lá procurei a mãe não encontrei, só vi dois jovens, estranhei, e me perguntei: O que pode haver ali que me levará a conhecer o terceiro berço? Só fui entender quando o juiz disse:
- “Defiro o pedido e informo que com essa decisão é dada a oportunidade de adoção a um casal de homossexuais do sexo masculino, mesmo sabendo a repercussão desse ato”.
Estranhei, ri e pensei, esse quero ver de perto, e lá fui eu, foi tudo mais fácil à criança já crescida, sem fraudas, sem mamadeiras, sem dores de barrigas, sabendo se virar sozinha e já conhecendo o casal de pais, logo se acostumou, também com toda mordomia recebida depois de ter sofrido tanto, ganhou na loteria sozinha.
Fui para o quarto berço, cadê o berço? Achei uma rede, uma mulher e várias crianças brincando. O marido estava de barco na busca da parteira, fiquei preocupada, se a bebe chegar não sei o que fazer será que tem tesoura para cortar o umbigo? Pensava, isso não pode acontecer não vai nascer antes da responsável chegar...Ufa! A parteira chega, tira da sacola uma maletinha e seus apetrechos, calma, com um sorriso nos lábios vai até a cozinha, faz um chá, serve para a futura mamãe, faz lá uma oração para o bom parto.
A criança chega berrando, forte, ainda embrulhado em um pedaço de lençol vai direto para o peito da mãe que tem leite jorrando, nem desmamou o filho caçula ainda, que agora vai dividir o peito com o bebe recém nascido.
Os irmãozinhos descalços lá do lado de fora da casa, choram de fome ao lado do pai que não sabe cozinhar e de cabeça baixa pensa: Será homi ou muié? Podia memo sê homi pra me ajudá na lida.
Se juntam para escolher o nome do novo membro da casa, por não saberem ler e escrever resolvem chamar a vizinha para ajudá-los, aproveitam para pedir que ela cozinhe um feijão e sirva com farinha. Foi uma grande festa, a mãe já se sentindo bem, levanta vai até o quintal e se junta a eles.
Choro e rio ao mesmo tempo, situação única, choro ao me ver diante de tamanha miséria financeira, rio ao ser convidada a participar da mesa onde pude comer o melhor feijão, temperado com água impura e acompanhado de farinha. Afirmo que nunca tinha visto tamanho amor e generosidade entre os irmãos principalmente frente a grande dificuldade existente na comunidade.
Nome escolhido, barriga cheia e muita alegria.
E eu, na missão que dei a mim mesma, de entender a humanidade, volto para casa com a certeza de ter descoberto, então, porque ela é tão fria em matéria de amor...