Álbum de fotos de Família...

Álbum de fotos de Família...

Por Poet Ha, Abilio Machado.

Peguei-me hoje, nú e descalço, sentado ao sofá da sala, uma xícara de chá fumegante e aromatizando de anis meu ser e a casa. E algo mais me acompanhava. Uma pilha de fotos, alguns álbuns, uma imagem ou outra me chamando a atenção e me fazendo divagar sobre qual deles seria o primeiro...

Abri meio incerto e de mão trêmula o roto caderno e suas páginas de fotos já antigas me fizeram viajar no tempo, corri pelos anos e me vi tal e qual, ainda uma criança, um moleque.

O cheiro daqueles momentos de menino a descobrir um mundo que aparecia com todos os defeitos que a realidade nua e crua aplica aos mortais. Todas as imagens carregadas de lembranças, tristes ou alegres, maravilhosas ou que me impunham uma vontade de chorar... Ah, imagens que me vieram, trazendo emoções que não ficaram nas fotografias, que fugiram como segredos para retornar agora, ouvi as vozes dos amigos, dos gritos infantis, as canções que repetia como um vitrolinha estragada, esganiçado.

Os minuciosos detalhes do meu quintal e o pinho que eu subia e que era ora meu forte, ora meu navio, ora meu avião, um lugar meu, alto, onde nenhum mal podia me apanhar, eu era todo cheio de medo, medo... Alguns medos ainda me acompanham...

O poço atrás da casa aonde o lobisomem vinha tomar água nas noites de lua cheia, os lugares, cada qual com sua história, o banheiro longe da casa e de madeira, o tanque para as roupas ao lado da figueira, os eucaliptos onde quase me quebrei tentando subir, o pé de caqui, o limoeiro, as ameixeiras...

O chiqueiro dos porcos, e como me dava um dó, apesar de gostar do chouriço e do torresmo, da paleta e da bisteca.

As orelhas de padre feitas sobre a chapa quente do fogão à lenha, quase sempre acompanhadas com a visita do Padre Stanislaw nas manhãs frias ou de uma boa história das noites altas com polenta assada ou pinhão regados com café, quente e forte...

A maneira da área que formava um maravilhoso ‘L’ em torno da cozinha e da sala, a visita do chacareiro que estacionava a carroça na entrada e o cachorro negro que me mordeu bravamente por causa de uma bolinha plástica azul e branca, área pela qual vi meu pai com o ‘rabo de tatu’ colocar para fora um cavaleiro montado e de revólver à mão, achei a maior burrice e também o maior ato de heroísmo de meu velho, como também cheguei a visualizar o grande maço de ‘grinaldas’ de onde ele adorava retirar suas varas longas para nos aplicar alguma correção.

A cada foto o embalo me transportava e uma lágrima a mais rolava, encharcava minha Alma, parecia-me tudo vivo, me envolvendo e me levando... As brincadeiras, a corda sobre a depressão que só tinha água quando a chuva era muita, imaginávamos ser Tarzan, por mais que eu preferisse ser Jim das selvas, sobre aquela grama de mato, aparada, e que me vêem saudades.

As cabanas encostadas aos Pinus, com as paredes todas de suas folhagens finas como cabelos, onde experimentei os primeiros cigarros que me faziam tossir, os primeiros contatos sexuais, héteros ou não, desde as comparações e aprendizado, as primeiras masturbações...

A família reunida para assistir os filmes de terror, e eu estrangulando o gato pelo meu pavor das cenas, mesmo sabendo que aquilo era trabalho de ator como fazia na escola, mas eu me assustava e apertava o pobre pescoço do animal mais e mais apavorado que eu.

Quando tudo parecia bem mesmo que a realidade fosse outra, éramos crianças e queríamos que aquilo fosse para sempre, sem saber que para sempre tudo acaba.

Minha mãe, meu pai, meus irmãos, meus amigos...

Alguns se foram, outros estão perdidos na vida, outros se distanciaram, outros estão mais presentes que nunca...

Um tempo que segurado num ínfimo espaço, um instante, consegue fazer este transporte através do pensamento até aquele cenário acompanhado de palavras, histórias, gestos, risos e lágrimas.

Um álbum de fotografias, um álbum de lembranças, um álbum de família!