Olhos
Olhos
-“Os olhos são o espelho da alma”, muitos já disseram.
Inúmeras canções ressaltam a importância dos olhos da pessoa amada, dentre elas, uma que chega a relacionar a cor dos olhos das pessoas com atributos como ciúme, tristeza, traição, fidelidade, amor.
Um amigo, há muito tempo atrás, disse-me que, até então, não conhecera alguém que, como eu, ria com os olhos.
Não sei desde quando passei a identificar nas pessoas, através do olhar, sentimentos ocultos, verdades mal disfarçadas, ou mesmo, traços de personalidade.
Os olhos do Collor, inquietos, dilatados, alucinados, demonstravam já à primeira vista, a fraude e a mentira que ele encarnava e que brevemente todo o País descobriria.
Minha sobrinha, quando pequenina, tinha olhos que chamávamos de olhos d’água, porque pareciam estar sempre molhados, de tão brilhantes que eram. Conheci muitos olhos: olhos meigos, gentis; olhos frios, impiedosos; olhos repletos de inveja e despeito; olhos inseguros, tímidos; olhos dissimulados; olhos desconfiados; olhos sedutores.
Um dia me deparei com olhos que brincavam, assim como se estivessem sempre contando uma piada. Eram olhos castanhos de uma sinceridade e lealdade infinitas, de uma verdade inquestionável, de uma transparência quase ingênua. Olhos de interrogação que tentavam entender o desconhecido, desvendar os segredos mais profundos do outro. Olhos que foram se transformando em olhos de surpresa e identificação, que se transmutaram em olhos de admiração, depois de ternura, que experimentaram o desejo e a alegria da descoberta e se tornaram olhos de um amor profundo, tranqüilo, seguro.
Aqueles olhos que acariciavam eram um bálsamo para todas as tristezas e dificuldades da vida. Eram olhos plenos de compreensão, cumplicidade e de tolerância com o outro.
E até que a doença do século, implacável, impiedosa, os ofuscasse e os tornasse parecidos com outros tantos olhos, fundos, encovados, sem brilho, sem esperança e que, por fim, a indesejada de todos os vedasse para sempre, bebi da beleza e me embalei na suavidade daqueles olhos que faziam os meus transbordarem a maré de emoção que eles despertavam.
E assim, desde o dia em que aqueles olhos que brincavam não mais me olharam, os meus, jamais voltaram a sorrir.
Lucia Elena Ferreira Leite