UMA AQUARELA A CAMINHO DO TRABALHO
UMA AQUARELA A CAMINHO DO TRABALHO
A caminho do trabalho, passo o túnel e entro num corredor de árvores multicores. São chapéus–de-sol cujas folhas, nesta época, assumem tons variados: verde, vermelho, laranja, marrom.
O vendaval de ontem soprou sobre o asfalto uma areia fina, branquinha, que completa o quadro de rara beleza. A areia tornando de volta ao seu lugar.
Por causa disso, numa cidade à beira mar, onde passei boa parte da vida, um prefeito construiu um muro para evitar que a areia “sujasse” o asfalto.
O mesmo alcaide mandou cortar os pés de jambolão nativos do lugar para proteger os carros e as calçadas, desviou o curso de um rio e construiu uma casa às margens, numa área de reserva ambiental em que ele ia caçar pacas, tatus e outros animais da reserva.
Questionado pelos ambientalistas, o prefeito se sentia perseguido injustamente, e argumentava lamurioso: - Será que tem algum mal, um pobre prefeito, de uma pequena cidade, construir uma casinha na beira do rio para poder descansar?
O Ministério Público não quis saber: mandou demolir a casinha do prefeito e o condenou a retificar o curso do rio.
São Francisco.
Volto a pensar em como é bonito este lugar. Sorrio.
No meu caminho, à direita, o mar; depois do mar, a silhueta do Rio de Janeiro emergindo das águas; a minha esquerda, o morro de um verde irretocável, entremeado pelo casario das comunidades que crescem desordenadas.
Lá do alto, parapentes e asas-delta se lançam no espaço azul e parece que vão aterrisar na nossa frente.
Resiliente a natureza! E quanto é generosa!
Mesmo permanentemente agredida ela se renova, se desdobra, numa aquarela de cores diversas, todos os dias, diante dos nossos olhos que muitas vezes não vêem.
O morro devastado, deixado quieto, se refloresta.
As árvores da beira do asfalto, que respiram a poluição constante dos carros, florescem durante todo o ano, de acordo com seu ciclo. Agora, são as folhas dos chapéus-de-sol que se colorem e descolorem. Daqui a pouco, são os flamboyants que murchos e secos nesta época, desabrocham em todas as cores, desde o vermelho predominante, até o raro amarelo. Agora, são ipês-rosa solitários. Daqui a pouco, são ipês-amarelos igualmente solitários, porque o ipê é uma árvore altiva e vaidosa que não admite concorrência. Bandos de pássaros de todas as cores e espécies brincam nas árvores e arriscam um pouso rápido sobre as calçadas.
A natureza resiste. A vida pulsa.
Não. Não tenho a certeza absoluta dos “Verdes” que prenunciam um futuro árido, sem água, sem árvores, sem frutas, um mundo deserto e mal cheiroso expelindo gases tóxicos, a vida extinta sobre a face da terra.
Creio na resistência e no poder de reconstrução da natureza e na transformação do homem num novo homem, reverente e respeitoso, sensível, capaz de conviver harmonicamente com aquela que o criou e que, como mãe, enfeita todos os dias a nossa vida, para que nos sintamos felizes, capazes de sorrir a caminho do trabalho.
Julho de 2008
Lucia Elena Ferreira Leite