PUNTA DEL ESTE


De Montevideo até o balneário de Punta Del Este, admirando um lindo cenário de praias ao longo do percurso, gastamos cerca de duas horas quase ininterruptas num micro ônibus da empresa de turismo contratada antes de sairmos do Brasil. Nossa única parada mais acentuada no caminho foi em Piriápolis para comprar artesanato e admirar o cenário descortinado abaixo de sua estonteante altitude, que nos oferecia maravilhosas imagens.

Chegamos a Punta Del Este por volta da hora do almoço. A guia, que matraqueou a viagem toda enchendo nossos tímpanos com seu espanhol escorreito, nos avisou ser período de baixa estação no balneário por isso os restaurantes estavam quase todos de portas fechadas. A exceção era justamente um deles conveniado com o serviço turístico de Montevideo que trazia diariamente grande leva de turistas para almoçar, por isso funcionava a temporada inteira da entressafra. Antes do repasto, contudo, fomos surpreendidos com algo diferente e espetacular. Passando pelas ruas de Punta Del Este, fomos levados até determinado local em que, segundo nos assegurou a guia, teríamos a visão de um acontecimento certamente jamais visto antes, a tômbola. E vimos, encantados com os mistérios da natureza: nos quatro pontos cardeais daquela artéria, girando vagarosamente o micro ônibus, vimos a presença do mar como se naquele preciso momento estivéssemos sobre uma ilha quadrada. Ilusão de ótica? Não, simplesmente a tômbola.

O restaurante não me pareceu muito simpático e também não havia tanto a escolher no cardápio. Terminamos optando pelo prato típico da região, a paella, mas ao fim e ao cabo não nos apeteceu o acepipe onde havia até carne de coelho. Percebi que o motorista do nosso transporte e a guia que nos acompanhava certamente almoçaram gratuitamente, com certeza por nos ter levado ao restaurante. Provavelmente havia outros para escolher, o problema é que não conhecíamos Punta Del Este suficiente para sair procurando. Além do mais a hora e o apetite não permitiriam essa intenção. De qualquer forma ficou a lição para a próxima vez, se houver.

Tivemos meia hora para perambular nas imediações após o almoço e saímos a ver o comércio. Quase todas as lojas, escritórios, imobiliárias e semelhantes funcionavam normalmente. Como havia nas imediações uma sorveteria Freddo, do apetitoso sorvete aclamado como o melhor do mundo, fomos até lá e nos servimos. Verifiquei, no entanto, que o sabor do Freddo de Buenos Aires é bem melhor, tendo a impressão de aquele do balneário talvez não fosse tão genuíno assim. Enquanto nos deliciávamos com a guloseima, sentados distraídos num banco de madeira em frente a uma peleteria, algo realmente estranho e jamais esperado por mim, pelo menos em Punta Del Este, aconteceu: uma mulher aproximou-se, estendeu a mão e pediu uma esmola. Tão surprêso e atônito me vi, a estranheza daquele fato brusco e nada natural acontecendo ali, numa praia cujo metro quadrado é um dos mais caros do mundo, que emudeci. Olhei para o rico comércio, as imponentes construções, o ar de opulência reinando feito aura transbordante e tornei a debruçar os olhos sobre a mulher pedinte, já não mais ouvindo sua voz que nem parecia tão humilde assim. Minha esposa, por sua vez, tão perplexa quanto eu, também me fitava sem conseguir balbuciar um palavra que fosse. Meio sem jeito, saquei do bolso umas moedas de peso urugaio e as entreguei à mulher, que se foi toda faceira. Aquilo estava acontecendo mesmo? Foi o que me perguntei o tempo todo em que estive em Punta Del Este.

Quando saímos para continuar o passeio, após o almoço, passamos em frente ao shopping, que estava funcionando, então compreendi o jogo havido entre o pessoal do estabelecimento onde almoçamos e a guia, concluindo que fomos levados até lá como mercadoria marcada. Ficou a indignação presa na garganta. Não tivemos tempo para conhecer o Conrad e seu cassino, tudo estava cronometrado demais para esse intervalo. Lá adiante, a guia nos mostrou a ponte ondulada, construção nada normal cheia de altos e baixos como ondas num oceano revolto. Sem nos consultar e objetivando fazer uma desagradável brincadeira, o motorista subiu a tal ponte numa velocidade perigosa e passamos por ela como se pulássemos num tobogã maluco. Alguns turistas riram mas outros ficaram aborrecidos e chocados com essa malfadada surprêsa. Lembrando que tínhamos acabado de sair do restaurante. Minha esposa deplorou o inexplicável comportamento infantil do motorista.

Beverly Hills foi nossa próxima parada. Não, não há equívoco, é esse o nome do bairro onde estão localizadas somente as luxuosas mansões de brasileiros. Acreditam? Pois com ceticismo ou não é isso mesmo, podem crer! A primeira construção nababesca que avistamos foi a de Collor, depois a pertencente a um famoso empresário, a de Emerson Fitipaldi e tantas outras, cada uma mais espetacular do que as sus vizinhas. Naquele instante estávamos percorrendo um glorioso paraíso onde todos os habitantes são milionários despreocupados e habituados ao melhor que a vida pode oferecer. Era inevitável escapar de todos nós uma exclamação de encantamento e perplexidade ante tal universo de riqueza inimaginável para o brasileiro comum e trabalhador cotidiano. Toda aquela suntuosidade agredia as lembranças de tantos necessitados que de súbito me vieram à memória.

Havia, porém, ainda mais luxo para ser visto. As mansões da cantora Shakira, de Eva Perón quando viva e que era cheia de enormes entradas de ar porque ela sofria de câncer e precisava respirar a pureza do local, as que enfeitavam ruas e ruelas pertencentes a ricaços anônimos, a de Pablo Neruda a ser transformada em museu conforme nos disse a guia, e, por fim, um caríssimo edifício residencial ainda em construção que terá uma piscina em cada andar e cuja cobertura já foi comprada pelo jogador italiano Zidani. Punta Del Leste é o verdadeiro oásis dos endinheirados, ou um deles porque certamente há diversos espalhados pelo mundo. Terminamos essa parte do tour pensativos e atormentados por fantasmas insistentes de salários mínimos e tanta gente morando sob pontes e nas favelas, afora aqueles que nem isso têm por isso são como trapos nas calçadas das cidades. Bem, pelo menos eu não me esquivei a um muxoxo furtivo de tristeza mesmo reconhecendo ser incapaz de mudar alguma coisa nessa roda viva.

Andamos extasiados pela orla antes do regresso a Montevideo, descortinando a bela paisagem da parte mais alta da praia. O cenário é deslumbrante, atordoa de tão espetacular. Ninguém consegue ficar insensível a tanta beleza moldada pela mão poderosa de Deus. Embora o sol estivesse a pino e brilhando em toda sua intensidade, fazia um frio de rachar obrigando-me a usar casaco de couro sobre a camisa de mangas compridas. Além dos óculos escuros, óbvio, devido a claridade fulgurante.

No caminho de volta avistei os mais lindos pores do sol de minha vida, tanto por entre os galhos das árvores à direita da estrada quanto no horizonte sobre o mar. A velocidade perigosa do transporte que nos conduzia de volta para Montevideo impediu-me de guardar aqueles instantâneos em fotos.
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 16/10/2008
Reeditado em 02/07/2010
Código do texto: T1231918
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