Diálogo
Por esses dias, sentei–me com vontade motriz e inspiração fulgurante para escrever uma crônica. Postei-me à frente do computador e olhando para a tela brilhante do visor, comecei a digitar. Ou melhor, armei mãos e dedos em posição de ataque ao teclado, que num átimo de segundo, parecia ter sido coberto por uma capa protetora, um campo de força, sei lá, uma força qualquer que me fez parar. Simplesmente eu não conseguia aproximar os dedos das teclas. Ficaram suspensos no ar, dedos, mãos e meu ar de grande vazio que tinha acabado de se instaurar.
Temendo a inevitável câimbra – fiquei uns bons minutos ali naquela posição – afastei–os lentamente do teclado, como se fazê-lo rapidamente disparasse algum tipo de alarme, e pousei as mãos nas pernas. O olhar vazio e o próprio vazio começaram a tomar conta de mim. Simplesmente todas as idéias maravilhosas, sem exceção, tinham sumido. Fumaça, nada, branco, nulo. Era exatamente como estava a minha imaginação e como eu me sentia.
Abaixei a cabeça – os olhos começavam a doer de tanto olhar fixo para o monitor – e coloquei as mãos cobrindo o rosto. O ato era uma tentativa desesperada de fazer com que as idéias voltassem, ressurgissem do nada. A impressão era que elas tinham caído no chão e eu tentava empurrá-las de volta às origens.
Foi então que senti um toque no ombro, uma mão pousando de leve e em seguida uma voz, calma, suave, conciliadora.
- Calma, meu filho, não fique assim não. Não há de ser nada. Não desanime por causa de uma pedra no caminho.
- Hum? Quem? Descobri o rosto e levantei a cabeça num susto e ele estava ali ao meu lado, em pé, numa das mãos um livro segurado junto ao peito, a outra em meu ombro, o olhar por trás dos óculos me encarando, sorridente, um sorriso fininho, típico de Itabira.
- Não desanime, ele repetiu. É assim mesmo. Eu também já passei por isso. Vai tomar um café que “elas” voltam.
- Mas, “elas” quem? Perguntei ainda aparvalhado com a situação toda.
- As idéias oras! E riu solto, simples, ajeitando os óculos depois da gargalhada.
- Mas você é...o...? Engasguei e o branco veio de novo. Não conseguia sequer lembrar o nome do homem! Isso já era demais!
- Vá tomar um café, repetiu.
- Café? Sim, sim. Café. Levantei-me e fui em direção à cozinha. Abri o armário e lembrei que não tinha pó de café. Apelei para o café solúvel mesmo. Apanhei o pote e virei-me para falar com o poeta-aparição.
- Aceita um caf... Tinha sumido. Exatamente como surgira tinha ido embora. Eu fiquei ali parado, o pote de café nas mãos, olhando para o batente da porta onde o tinha visto pela última vez.
Olhei para o café de novo e, já que estava ali, resolvi tomar uma xícara. Preparei uma dose e quando ia voltar ao meu computador, passei os olhos no jornal que estava em cima da mesa da cozinha. Uma coluna me chamou a atenção. Concurso literário. Semana de literatura de Minas Gerais e promovido pela prefeitura de Itabira.
O café ficou esfriando em cima da mesma até o dia seguinte quando voltei do correio, depois de enviar minha história para o concurso. Duas semanas depois recebi o telegrama da organização do concurso, felicitando-me. Somente fariam uma entrega do premio simbólica, já que o homenageado falecera repentinamente. Entrei em contato com a organização do concurso, como pedia o telegrama, para obter maiores detalhes. A pessoa do outro lado da linha informou que embora já soubessem do fato – alias amplamente divulgado pela imprensa – a divulgação do concurso foi feita de modo que o vencedor receberia o prêmio das mãos do próprio homenageado. Pediu desculpas e informou que mesmo assim eu receberia meu prêmio.
Argumentei que não tinha visto isso no anúncio no jornal que lia diariamente, mas que estava feliz mesmo assim por ter sido premiado no concurso.
- Mas em que jornal mesmo o senhor disse que leu o anúncio do concurso? A mulher perguntou de repente, me interrompendo.
- No Diário da Capital.
- Neste caso, o senhor deve estar se confundindo. A divulgação só foi feita em periódicos locais.
- Mas tenho certeza. Só um momento, vou apanhar o jornal para ter certeza do que estou falando. Fui até a cozinha e apanhei o dito da fruteira improvisada como porta-jornais. Voltei ao telefone e disse à mulher:
- É acho que a senhora tem razão. Devo ter me confundido mesmo. Mesmo assim obrigado. Vou aguardar a entrega do prêmio.
- Sim. Tenha um bom dia senhor. E mais uma vez parabéns.
Desliguei o telefone. O nó no peito e na garganta eram indescritíveis. Sentei-me ali, àquela mesma mesa onde tinha posto aquela xícara de café e chorei. Naquela mesma posição do “momento da falta de inspiração”, com as mãos cobrindo o rosto. E as lágrimas pingando sobre o jornal, sobre o anúncio do concurso. Mas não havia anúncio. Havia uma manchete no lugar: “Morre poeta Drummond de Andrade”. E eu chorava. De saudade.
Para C.D.A. com carinho.