Ofício: de orgulho, professor!!

Todo professor quando está na faculdade é um barato.Tudo é novidade: a sala de aula, os professores, os livros apresentados, as disciplinas, o conhecimento, ai, ai, o conhecimento... Enchem-se de teorias e mais teorias, cada uma das mais complexas e desenfreadas. Os conhecimentos que antes tinham, de nada mais servem, tudo desarrumado para poder se ordenar novamente, agora embasados, teoricamente a partir de um ser que inventou de pensar antes de você; conhecimentos sistematizados, de forma epistemolar, como manda a ciência e em nome da ciência...

De Piaget a Paulo Freire; Do desenvolvimento psicomotor a pedagogia do oprimido; Do desenvolvimento da psicologia da criança, ao homem que inventou de inventar teorias e mais teorias de como ensinar, como se deve ensinar a quem quer aprender: construtivismo, socioconstrutivismo, interacionismo freenet, tema gerador e a dor de cabeça para solver o que há de melhor ou aqueles pensamentos que te confortam e viva o homem por ser um ser racional... A cabeça fica fervilhando de tantas informações e transformações que se processam ao mesmo tempo, a cabeça presa ao eixo para não perder de vista aquilo que nem sabe se ao certo é visto ou pura abstração, além de saber quem concorda ou quem discorda de quem.

Aqueles que escolheram a profissão porque era aquilo que tinha projetado para sua vida e estava no lugar certo, que desde criança já brincava assim: juntava todos os pares de sapatos seus e dos irmãos e ia repetir a aulinha dada pela tia na pré escola, que juntava os irmãos mais novos, amigos e colegas e a brincadeira predileta era de escolinha e chorava para ser o ser que ia ditar as regras, impor as normas, colocar de castigo ou mandar para a secretaria aqueles que desobedecessem, queimavam as pestanas de tanto estudar, tinham na alma a vontade de entender e comparar o pensamento de todos aqueles que mostravam o caminho da educação por métodos, propostas, caminhos... ; já outros, nem por isso. Eram assíduos na faculdade mas ausentes das salas e alguns, danados que eram, sempre arranjavam um jeito de se darem bem e conseguiam para depois caçoarem dos mais estudiosos, alguns até se davam melhor, tiravam melhores notas, porque a forma de avaliação era tão caduca como a instituição.

Os de pedagogia, tidos pedagogos, cheios de matérias humanas, todas voltados para entender o ser como um todo, a educação pela complexidade de ser, imbuídos de psicologias para exercer na criança a aprendizagem integral, aqueles que seriam responsáveis pela educação e formação fundamentais, de base, compreender o ser na sua a totalidade; já os outros apenas preocupados com campos específicos, tecnicista de formação; os de letras, com as linguagens;outros com os números, a estrutura do corpo, do átomo, da energia, da localização da terra no espaço, da invenção da roda e da separação da história pelos fatos... Cada um com suas particularidades e todos iguais na vontade de sair da faculdade e se deparar com a sala de aula, ensinar, dar aula, mostra a todos o que tinha aprendido durante todos os anos de estudo, dedicação , pesquisa, enfim... A partir daquele momento ganhar o mundo, transformar o mundo, dizer ao mundo que agora era hora da mudança, de uma nova dança a partir da música que se ouvia.

Formados, diplomados, feitos, a hora do concurso. Moleza, todos aprovados. Agora era a hora de disparar o discurso tantos anos congelado, afinado, trabalhado. Dizer o certo, desconstruir o errado para construir as novas idéias, os novos ideais. Sala de aula, aluno, quadro de giz. Ambiente perfeito para quem traz dentro de si a idéia de perfeição a partir dos livros, das teorias, do que tanto estudou. Turma cheia, lotada, superlotada e chegando alunos pedindo um lugar para sentar. Vasculha em toda escola e não há mais cadeiras e agora? Na faculdade aprendera que lugar de educação é um lugar acolhedor, confortável. E agora? Que fazer? Primeiro dia de aula e primeiro problema que nos livros de matemática saberia resolver, no livro da vida sentia-se de mãos atadas. Aqueles olhinhos ali a te olhar, a querer ler sua alma e agora? Diante da diretora a discussão do certo e do errado e onde ou em quem por a culpa e os culpados se omitem não se pronunciam e as teorias que antes eram tão formadas, bem formadas e fundamentadas por sinal, acabam sendo esquecidas, envelhecidas, empoeiradas e o primeiro gosto de fracasso vem em seus olhos marejados de lágrimas, e logo o sentimento de quanto tempo perdido, quanto tempo dedicado que agora começara a perceber que era diferente do que tanto tinha escutado.

Um ano de magistério, dois anos de magistério, três anos de magistério e você descobre de verdade que a prática não condiz com a teoria ou que a teoria estava distante da prática. Mas algo dentro de ti ainda diz que se é possível, que vale a pena tentar, que desistir ainda não é o caminho. E você passa quatro anos, cinco anos, seis anos tentando, o pó do giz a te incomodar, suas digitais já gastas e o salário? Deus do céu, tantos anos de trabalho e sua bicicleta ainda é a mesma. Mas seu rosto não. Suas idéias não. Você não é mais o mesmo, não pensa mais do mesmo jeito. O tempo passou, o mundo mudou e tantos acontecimentos, quantos seres por suas mãos já passarem... Sete anos, oito anos, nove anos de magistério e a vontade de uma parada para respirar. O exercício diário te cansou, a rotina te cansou, a mudança de planos cansou, tudo está cansado, cansado está o aluno pelo modelo de educação que se apresenta, cansado o estado que se acomoda e tenta moldar tudo a coisa nenhuma... A tão licença premio porque se não a máquina humana quebra e lá dentro de você o riso dos amigos que caçoavam quando você dizia com todo entusiasmo do mundo que iria ser professor, professar verdades, formar ser pensante, cidadãos responsáveis pelas mudanças do mundo. Dentro de você cada xingamento, cada olhar reprovador e o eco da palavra desgostosa: será você um sofressor? Sofressor? Não!Não!E não!!!Tudo, menos isso.

Não, isso não podia está acontecendo, não. Todos os anos de estudo te tornara um educador, aquele que educa a dor e não é sugado por ela.... Descansa, estuda, planeja e sente o cheiro do novo, voltar para a escola e se sente revitalizado. Vira de um lado, vira para um outro, problemas, problemas mas não desiste, é um novo!!! E o novo deve acontecer, é preciso acreditar... Onze anos de magistério, doze anos, treze anos e a escola descobre que tem uma biblioteca. Muda-se o espaço da aula, a metodologia, a dinâmica, passam-se os anos, quatorze anos, quinze anos e o corpo já não mais agüenta, é preciso inventar outra coisa parque o que ganha não dá, não dá pra viver com filhos, casa, lazer... Um novo curso, uma especialização , uma qualificação profissional, talvez...

Dezesseis anos, dezessete anos, dezoito anos e uma pontinha de alegria... Se está vivo até aquele ponto pode agüentar mais um pouco, a tão sonhada aposentadoria não está tão longe assim. Dezenove anos, vinte anos e uma forte dor de cabeça: médico, atestado, estafa, cansaço, amídalas inflamadas, e tanto estudo pra quê? Que gozo enfim terá depois de tudo? Os alunos que passaram por suas mãos ganharam voz, tem história, voltam, contam, outros se calaram na bala, na vida, na sociedade e outros por aí estão largados, sem vez, sem voz, sem nada. Vinte e um ano de sala de aula, vinte e dois, vinte e três e mais uma greve, greve por melhorias de salários, planos de cargos, carreiras e salários, o governo promete, o sindicato recua e assim vinte e quatro anos, vinte e cinco anos de magistério e a aposentadoria.

No fim de tudo se pensa e sente que ainda nada sabe, ainda nada fez. O reconhecimento não tem e a aposentadoria não é premio, é necessidade por todas as dores e remorsos por amar, querer uma profissão tão desejada e ser vencido pelo cansaço. Na soma de tudo, vem as lembranças, os sorrisos, os olhares e a certeza que poderia ter feito mais, muito mais, se....