Professores: muito além dos parabéns
Estive com a diretora da escola onde minha filha estuda. Uma mulher extremamente inteligente, e uma estudiosa de tudo o que se relaciona à educação. Em sua pequena escola, ela propicia à minha filha um ensino diferenciado*, porém dentro da rotina normal de sala, na qual ela pode conviver normalmente com seus colegas de classe e fazer as mesmas atividades que eles – a diferença é o método de avaliação: ela é avaliada dentro de suas possibilidades, e seus progressos são medidos face às suas limitações. Assim, ela é capaz de tirar uma nota 8 ou 9 em português, mesmo escrevendo precariamente. Na verdade, são notas que ela realmente merece, pelo esforço e empenho, o que faz com que sua auto-estima se mantenha alta e seu interesse pelo aprendizado continue crescendo. Acredito que esta seja a verdadeira inclusão.
Mas falávamos sobre os alunos adolescentes de classe média que a diretora possui em sua escola. E ela comentou um fato sobre o qual nunca havia pensado: nem mesmo os professores sabem como manter a disciplina em sala, pois tanto eles quanto os alunos não estão preparados para as mudanças sociais radicais que estamos vivendo exatamente neste momento.
Os pais (ou avós) que viveram sua infância e adolescência na época da ditadura jamais serão impositivos, pois têm na memória o que viveram naqueles tempos: a educação pelo medo. Assim, criaram ou estão criando seus filhos com a tentativa de serem apenas “amigos” deles, sem nenhuma hierarquia. E todos, principalmente os pais mais jovens, vivem hoje uma nova realidade: trabalham fora e pouco tempo têm para os filhos, o que os torna extremamente permissivos e acaba por fazê-los valorizar as recompensas materiais, criando crianças venais e consumistas. Isso quando elas têm a sorte de fazer parte de uma família, ainda que uma família de constituição moderna - pais separados que possuem novos companheiros, com filhos de casamentos anteriores. Sorte, pois muitas crianças nem sequer tiveram acesso a qualquer tipo de família, moderna ou tradicional.
Ela comentava que havia ali adolescentes que já tinham sofrido, em sua pouca idade, muito mais do que nós em toda a nossa bem mais longa vida. Histórias terríveis de violência, abusos, descasos, abandono, vícios, desamor. Crianças largadas à própria sorte, mas ao mesmo tempo com acesso a todas as informações disponíveis. Como, então, um professor poderia exigir daquelas almas desiludidas com a vida um mínimo de interesse e respeito, sendo que ninguém até então havia tido respeito ou interesse por elas, e mais ainda, já que elas se sentem agora, cada vez mais, onipresentes e oniscientes, donas de um universo de fáceis possibilidades virtuais?
Sinceramente, não sei como vocês, professores, devem encarar esta nova responsabilidade, que agora vem se somar à já dura tarefa de ensinar. Muito além dos merecidos parabéns, desejo-lhes boa sorte, pois creio que a questão da disciplina deva ser repensada. Se não conseguirmos incutir em nossos filhos e alunos o respeito pelo próximo – sem necessariamente pensar em hierarquia, mas apenas levando em conta os seres humanos -, talvez nosso mundo não sobreviva à onda de individualismo e falta de humanidade que pode vir pela frente. Na verdade, esta mesma que já estamos sentindo nos adultos de hoje.
* Minha filha de 14 anos tem atraso global de desenvolvimento, com sérias dificuldades de aprendizado. Mas, felizmente, é um ser humano alegre e carinhoso, cheio de doçura e delicadeza.