E ele quer se parecer (mais ainda) comigo

Já estou com mais de cinqüenta anos e há mais de dez com os cabelos quase totalmente brancos, encanecidos, como citam a Bíblia e alguns poetas. Antes dos vinte os primeiros fios brancos começaram a surgir. Com mais de trinta, passei a arrancar os então indesejáveis fios brancos. Minha filha com seus oito anos chegou a dar uma ajuda nessa tarefa inglória, mas desisti, pois acabaria calvo. Lá pelos quarenta comecei a tingí-los, me dando a essa sacrificante e incômoda empreitada por uns oito anos. Dava uma geral todo mês, e uma parcial por semana, fora os retoques de três ou quatro dias para não ficar com aquele fio branco nas raízes capilares. Ufa! Um dia, antes de completar cinqüenta, desisti. Fui a um salão e mandei passar a máquina, constatando ao final que estavam irremediavelmente brancos. Para essa decisão contribuiu a de alguns famosos no final do século passado assumindo suas cãs e saudados pelo sexo oposto. Dentre os quais, Richard Gere, e por aqui o cantor e compositor Oswaldo Montenegro. Fico nesses dois nomes para não me estender, dos quais não tenho nem de longe os dotes de atração, mas quando apareci de cabeça branca grande número de amigas, incluindo irmãs, mãe e filha, aprovaram o new look. Minha mulher então, foi a mais entusiasta com novo visual do namorado. Depois noivamos e casamos. E, maravilhosamente, vieram dois filhos! O mais velho dessa nova fase está com menos de quatro e o caçula com menos de um. Dois dias antecedendo as últimas eleições municipais, levei minha mulher e os dois curumins até uma pequena cidade a 150 quilômetros de Belém, onde moram os pais dela. No dia seguinte retornei à capital para realizar algumas tarefas e à noite, quando telefonei para obter notícias e sufocar a saudade, minha mulher ao passar a resenha do dia, me contou um fato relevantíssimo no âmbito familiar, a motivar este texto. Disse ela que nosso filho Jordão, o de três anos, o que mais fisicamente se parece comigo, inclusive em algumas de suas atitudes, a certa altura sumira de seu controle visual, sendo encontrado momentos depois no quarto da tia com a cabeça totalmente branca de talco que ele mesmo lançara. E ao ser indagado por que agira de tal forma, a resposta veio imediata: “Mãe, tô pintando meus cabelos de branco; quero ficar igual meu pai”. Minha mulher disse que docemente lhe explicou que quando ficasse adulto nem precisaria fazer aquilo. Mas ele queria o efeito imediato! Passei o resto da noite rindo, envaidecido, é claro, toda vez que lembrava do episódio. Não é todo dia que se recebe, indireta e sinceramente, um elogio desses, quando alguém, que é um filho criança, quer ficar igual a você, numa conclusão pessoal de que a admiração é inconteste. Lembrei do poeta Gonzaguinha, que em uma de suas músicas disse ficar com a pureza da resposta das crianças. Foi um dos melhores elogios que já recebi de um filho e que já está bem guardadinho no museu da Terra do Coração para ser lembrado vida a fora. Naquela noite, antes de dormir, eu ainda lembrava e imaginava a cena. Ele quer

se parecer, mais ainda, comigo! Sorrindo peguei no sono, feliz da vida!