VELHO EMDIA FRIO CHUVOSO

VELHO EM DIA FRIO CHUVOSO

Há dias em que só o velho e solitário pode sentir e entender. Claro que pessoas inteligentes e sensíveis podem chegar, a saber, também, o que provavelmente é improvável.

Como hoje, uma chuvinha fina, fria, leva a se encolher, abraçar-se ao travesseiro, sentir-se ele mesmo com carinho e compreensão por si próprio, aceitar-se e curtir sentimentos alcançados próprio da e vivência e sabedoria experimentadas.

Levanta tarde, pois as cobertas o abraçam com conforto e o sentimento desliza solto, em vagas de memórias que se desfazem fácil próprio da idade, em que tudo vai se desfazendo devagarzinho. Mas levanta tranqüilo, vai tomar seu café, lembra dos seus remédios, da sua água, do mundo delicado em que vive e que cada coisinha é tudo que faz com o sabor e mérito de fazer como quer o que é uma liberdade conquistada pelo tempo vivido mais que os outros. A vontade comanda seu tempo em ocupar-se com cada coisa desejada de fazer num dia assim. Alegra-se com poucas coisas, com pequenas coisas, interrompe a atividade quando quer, lembra de um amigo e sente sua falta, seu valor, sua compreensão. Como seria bom um papo amigo com ele; só ele entenderia. Entenderia não, entenderá, e se põe de pé em busca de uma forma de contato com ele. Telefona? Manda um e-mail?

Esfrega os joelhos sobre a calça de veludo protegendo do dia friorento, pensando, refletindo, o quê mesmo quer falar com o amigo? Esqueceu, ou nem esqueceu, só a fala amiga da compreensão e do conforto do sentimento de confiança e amor, amizade, uma saudade pulsa no abraço desejado. Sabe que será recebido com amor e prazer. É recíproco o prazer de um pelo outro. Um é importante para o outro. Há anos não se vêem, mas não faz diferença, sempre a qualquer hora, a qualquer dia este milagre delicado afetivo une os que se entendem. Bate saudade do seu sorriso, de sua expressão inteligente, do seu olhar prazeroso de saber como anda a vida, aquela expressão dos confidentes, dos comparsas amigos de apoio irrestrito cujo resultado é sempre a aprovação e cumplicidade de pensar e agir. Ou seja, um bom entendimento. O respeito. A admiração. Algo raro e precioso. Alta estima. Um desejo mútuo do bem recíproco.

Não é desejo de contar nada de novo, mesmo que o haja, é vontade vinda da compreensão e da saudade. É confiança. É prazer, é coisa boa demais. Só já o fato de sabê-lo amigo torna a própria vida mais prazerosa num sentimento indefinido de que se tem casa, chão, teto, espaço, segurança, comunicação. É um porto seguro. E o amigo tem falas que ninguém tem, só ele sabe dizer, só ele tem o olhar, a expressão, a arte, a inteligência, a competência, o saber mais profundo, o encanto, a expressão do ouvir e escutar, só ele sabe melhor que os outros, e só ele sabe questionar e colher a reflexão precisa.

Amigo.

Nada existe melhor que um amigo.

O amigo é eleito, é amado pelo que ele é e pelo bem que proporciona. Não é amado por parentesco ou por obrigação. É pela sua beleza no sentido mais amplo e pelo seu mérito.

MLUIZA MARTINS