INDAGAÇÃO

INDAGAÇÃO

Estou com vontade mesmo de ir ao cinema neste sábado ensolarado? Por que não saio desta cadeira, deste lugar, por que meu corpo não se movimenta em direção a?

Po! Po! Estava lendo um livrinho muito bonito do José Saramago, em que ele fala do ano de 1993 sem dar nenhum ponto e fala tudo que quer com perfeição. Por que ele já tem a cabeça pronta, feita; e tem a alma já plena das coisas que o sensibilizam. Ele é atento ao redor e a si mesmo, e tem uma coisa que estou procurando, ele está ligado ao corpo também. Senão ele não voltava às suas inquietações que o marcaram e a visão sentida daquele tempo e de suas impressões.

Eu começo a escrever ainda. Crônicas. É um desejo mais forte que ir ao cinema, ao me transportar até lá. Eu ainda estou parada, ainda na indagação. Ora, porque se não sei se quero, eu cheguei a pensar nisto? Parece que significa que nem sei ainda o que e se eu quero mesmo. Estou indefinida. Isto é bem característico daquela pessoa que quer ser feliz, mas não faz nada para se-lo.

Eu nem sei responder a mim mesma.

Estou acostumada ao espontâneo de mim. Mas, neste momento, as teclas me chamam mais que a friagem desconfortável que estou sentindo nos pés e nas pernas desprotegidos. É indefinido. Eu estou me perguntando coisa que nem sei. Nem a pergunta e nem a resposta, claro que não a teria, pois ainda não encontro sentido de ser formulada...

É um conflito entre querer uma coisa que não foi querida ainda, e o querer uma coisa desejada, mas que ainda não o foi. Ora que besteira, como pode uma pessoa ficar perplexa diante de si mesma, deste jeito?

Na dúvida que nem sequer representa dúvida nem nada, resolvo ir ao banheiro, lembro que não escovei os dentes; escovo-os e volto e me agasalho e ponho meia nos pés. E telefono pro Kalil pra saber dele, começando a ter a idéia de que se ele puder ler e gostar de ler, eu poderia mandar umas crônicas minhas para ele corrigir ou se distrair.

Ele demora a atender que depois venho saber que ele pode andar, mas devagarzinho. A voz é pequena e baixa, mas uniforme. Diz que gosta muito de ler, mas que no momento sua vista está com catarata e não é a hora boa para operar; primeiro o tratamento pelo qual está passando. Digo que alguém poderia ler para ele, e ele diz “mas não é a mesma coisa”, e concordo: conversamos. Ele pergunta de mim, e conto que estou escrevendo crônicas e bem.

Despedimo-nos amigos, suave e dói em mim um pouco... ou muito... quem sabe da vida e das coisas?

Oh Kalil, querido... Oh... Oh...

Agasalhada, os pés metidos no conforto de meias macias de algodão... Volto às teclas.

Indagava coisas? Não eu não indago nada, nem nada em especial eu quero. Estou até bem, pode-se dizer. É que estou vazia. Como um disco voador sem velocidade, parado no céu baixo do Rio de Janeiro, invisível aos olhos dos passantes, sem passageiros e sem piloto. E sem existência também.

Será que o Kalil está sentindo frio?

MLUIZA MARTINS