Um machado para Machado de Assis
 
                    Edson Gonçalves Ferreira
 
                    Este mês, terei que saudar meu patrono na Academia Divinopolitana de Letras e, sensatamente, pensei que não devo escrever nem falar sobre a biografia dele. Afinal, todo mundo letrado, que conhece a Literatura Universal, sabe que Joaquim Maria Machado  de Assis nasceu, em 1839, no Rio. Era filho de um homem pardo (aqui, já começam as discriminações nos livros escolares), pintor e dourador e que tinha, conforme os livros -- outra discriminação – recebera só alguma instrução, ou seja, não estava dentre os privilegiados da época.
                     Os compêndios escolares, por todo o país, mencionam a figura do pai e se esquecem da figura materna de Machado de Assis, outra discriminação. Apontam, bem notoriamente, que ele estudou apenas a escola primária e, subjetivamente, fazem outra discriminação como se freqüentar uma escola fosse, a priori, a condição número um para surgirem grandes escritores ou que os escritores dividem-se em dois grupos: os que têm curso superior e os que não têm.
                      Quanta gente nós conhecemos que tem até mestrado e não sabe escrever um texto com início, meio e fim, não sabe sequer escrever uma carta ou um ofício. Existem até profissionais das mais diferentes áreas com títulos e mais títulos que não sabem escrever. Alguns nunca leram, por prazer, um livro e, geralmente, ainda têm a coragem de alardear isso como se fosse uma vitória. Um machado eu daria para Machado de Assis se ele fosse vivo, hoje.
                      Assim, elogiar Machado de Assis é reconhecer a sua genialidade independentemente da sua origem seja ela simples ou requintada, da cor de seu pai, sem nos esquecermos de que ele teve uma mãe, da sua formação acadêmica. Ele, afinal, superou tudo isso e, ainda por cima, é um dos maiores escritores da Literatura Universal e, nesse sentido, precisamos ressaltar que foi o primeiro escritor universal da Literatura Brasileira.
                     Embora classificado como escritor realista, Machado de Assis não se prendeu a nenhuma escola literária e a sua obra, imortal, é tão atual, hoje, quanto era no tempo em que ele criava a Academia Brasileira de Letras. Aqui, agora, temos um dado essencial sobre o qual gostaria de falar. Afinal, o escritor Jorge Amado escreveu o livro "Farda, fardão, camisola de dormir", denunciando, literariamente, o loteamento de cadeiras na Academia Brasileira de Letras. 
                     Machado de Assis deve estar revirado na sua sepultura ao ver cadeiras ocupadas na Academia Brasileira de Letras por pessoas que não têm uma obra tão expressiva e, se fosse por mérito, talvez, não estariam lá. São os conchavos políticos e os apadrinhamentos que levaram essas pessoas para lá. Podem até falar que eu, como escritor, não sou lá essas coisas para escrever essa crítica. Se eu sou ou não sou, o tempo dirá.
                     Agora, Machado de Assis não precisa de elogios meus para se sentir recompensado, engrandecido. Aliás, não precisa do elogio de nenhum escritor, porque os que o lêem já reconhecem a grandiosidade da sua obra, o seu domínio com a Língua Portuguesa. Só o soneto "Carolina" é uma das preciosidades da nossa Literatura Brasileira.
                     Não foi à toa que Machado de Assis cultivou, em sua obra, o humor, a ironia, a denúncia da hipocrisia e do egoísmo e optou por personagens não extraordinários, como nos outros romances apoteóticos, mas supervalorizou pessoas comuns que, de fato, vivem com suas mazelas, porque ele sabia da relatividade dos conceitos morais, da transitoriedade da vida, da vaidade, da contradição entre a aparência e a essência.
                     Eu tinha dito e mantenho a minha palavra de que não vou falar muito sobre Machado de Assis que, resumidamente, é um gênio. Só gostaria de ressaltar que ele, na sua genialidade, sabia que da hipocrisia de nossa sociedade tanto que escreveu "Memórias Póstumas de Brás Cubas". Vejam, ele finge que é um personagem, que esse personagem morre e, depois de morto, escreve um livro, contando como foi sua vida, seus amores desencontrados e até o seu enterro.
                     Se Machado de Assis estivesse vivo, hoje, estaria muito triste com a pomposidade da Academia Brasileira de Letras e, desculpem-me os que, merecidamente, ocupam uma cadeira lá, com pessoas que escrevem mais ou menos e, politicamente, conseguiram chegar até lá, deixando de lado, outros autores grandiosos. Salve, salve, Machado de Assis.
 
Divinópolis, 04.12.09