NO PALCO
Eu cantava Lupicínio Rodrigues. Rubem, na última fileira da platéia, sabia que NERVOS DE AÇO não estava sendo cantada para ele. Certamente, eu não pensava em Rubem, nem mesmo seria capaz de enxergá-lo ali, no fundo, me ouvindo cantar NERVOS DE AÇO para Daniel, para Daniel, que não estava ali, que não poderia estar ali. Cantava para Daniel, mas não pensava nele nem em nada. No palco, a sós, um violão, NERVOS DE AÇO, minha voz.
Geraldo também estava entre os ouvintes mas, ao contrário de Rubem, numa das fileiras próximas do palco. Também não podia vê-lo enquanto cantava FLOR AMOROSA, sua preferida: ninguém enxerga nada quando se encontra do lado de lá da platéia. Não via Geraldo, todavia, só a certeza de sabê-lo ali, meu amigo fiel, em amizade siobrevivida a tudo, ouvindo-me a cantar FLOR AMOROSA, modinha dos tempos de inocência, preenchia-nos com toda nossa infãncia e nossa juventude. Geraldo e Ana (meu nome no livro do qual este texto faz parte), que permanecem um dentro do outro rios profundos, há muito sem pedras pontiagudas nos respectivos leitos.