Resposta para você
Quando eu era criança pequena (acho que desde o jardim de infância), eu tinha um costume... Não, mais que costume, acho que rotina.. Ou talvez obrigação... Ou ainda .. Ainda... nem sei... Na verdade, acho que era uma vontade enorme, mas enorme mesmo, de agradar minha mãe... Eu achava que deveria, de alguma forma, trazer mais beleza à vida dela.
Eu pensava assim: minha mãe tem uma vida tão rotineira... seria tão bom se ela tivesse surpresas do tipo receber flores ou um bilhete carinhoso...
Mas esta não poderia ser uma missão para qualquer pessoa. Minha mãe tinha de receber flores e bilhetes de alguém especial. Alguém que ela amasse mais do qualquer coisa no mundo. Alguém como, digamos... eu mesma, claro!
Todas as noites antes de dormir, então, eu escrevia um bilhete para ela. Horas e horas escrevendo, desenhando, pensando nas palavras mais emocionantes... Depois, eu colocava o bilhete no interruptor de luz, deitava-me na cama e ficava, com a cabeça quase toda coberta, fingindo que dormia. Quando ela passava pelo meu quarto para apagar a luz, eu a olhava por uma frestinha do lençol... Ela pegava o bilhete, lia e dava um sorrisinho satisfeito.
Eu adorava aquilo.
De manhã, antes de ir para o colégio, eu fazia outro bilhete, não tão caprichado como o das noites, porque fazia um pouco às pressas, mas igualmente carinhoso. Colava no espelho do banheiro para que, antes mesmo de ver sua imagem refletida, ela visse minhas palavras. E ia para a escola imaginando o sorriso de satisfação que ela daria.
As frases variavam, porque eu tinha de trazer ineditismo às surpresas de minha mãe. Mas, no final, as palavras eram sempre as mesmas: “te amo”.
Na volta da escola, eu vinha com uma flor... Roubada dos canteiros e jardins alheios. Um roubo, digamos, justificável... Ninguém poderia me castigar por querer agradar minha mãe, oras... Mas era algo ilícito, por isso, eu fazia às pressas, afobada, arrancava a flor e saía correndo, sem nem prestar atenção ao estado da coitada que ia em minhas mãos.
Essa flor era sempre recebida com um obrigada, e um “sorrisinho de canto de boca”. Em seguida, ela pegava um copo, enchia com água e mergulhava meu carinho... O copo era colocado em cima da geladeira, e ali ficava alguns dias, até que a flor se ia... Às vezes, a geladeira ficava toda enfeitada, com vários copos cheios de água e flores... Eu achava aquilo a coisa mais linda do mundo. E mais lindo ainda o sorrisinho satisfeito de minha mãe.
Um belo dia, ao chegar em casa, avistei minha mãe parada no portão. Aquilo já era uma novidade, porque minha mãe estava sempre dentro de casa, às voltas com sua máquina de costura...
Ela conversava com a vizinha... Eu corri, sorriso aberto:
_ Mãe, pra você!
A amiga, antes que minha mãe tocasse na flor, expressou-se...
_ Um toco de flor? Cadê o cabinho? Toda flor tem de ter cabinho...
Não me lembro do que minha mãe disse, nem se ela deu o tal sorriso... Eu não prestei atenção, a voz da vizinha ecoava na minha cabeça. Pensei em dar uma resposta bem malcriada, mas me lembrei de que minha mãe não iria gostar. Engoli a seco.
Por vários dias fiquei maquinando uma resposta à altura. Nunca o fiz.
Bom, agora que estou mais grandinha, quero pedir licença à minha mãe para fazê-lo. Não posso ficar o resto da vida com isso entalado na minha garganta.
E aqui vai a resposta:
_ Ninguém perguntou sua opinião, mesmo porque a flor não é pra você, sua intrometida. A flor é pra minha mãe.
Pronto. Falei.
Desculpa, mãe. Te amo.
(Adriana Luz – 25 de maio de 2008)
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