A mulher do cabelo roxo
Perto de casa mora uma mulher de cerca de 60 anos, magra e alta, que tem os curtos cabelos pintados de roxo. Mas não é um roxo suave, é um roxo com personalidade. Cabelos escancaradamente, efusivamente, acintosamente roxos. E ela anda assim, de óculos escuros, calças jeans muito justas e uma blusa quase sempre no mesmo tom dos cabelos.
Sua cabeça inusitada chamou minha atenção. Na verdade não só a minha, mas a de quase todos que cruzam com ela na rua. Os olhares se voltam, e ela não dá a mínima. Risinhos abafados alastram-se, mas ela nem nota. Dedos nem sempre discretos apontam, mas ela não percebe. Caminha, plácida, como se nada estivesse acontecendo, como se o roxo dos seus cabelos lhe garantisse um total anonimato. Como se seus cabelos tintos lhe permitissem ter paz.
Da primeira vez em que a vi, fiquei pensando o que levaria uma mulher de idade avançada a tingir os cabelos com uma cor tão chamativa e diferente - e confesso que estranhei muito, pois o sol fazia reflexos arroxeados em sua testa, dando-lhe uma aparência de ser extra-terrestre.
Da segunda em vez que a vi, fiquei listando os motivos pelos quais eu nunca pintaria meus cabelos de roxo. Eram muitos: não gostaria de chamar a atenção sobre mim, a cor era muito forte, a pele ficaria mais pálida, não gostaria de parecer um ET, sou conservadora em termos de aparência, abomino modismos ou radicalizações... enfim, entre tantos motivos, não consegui imaginar um sequer pelo qual eu me tornasse, um dia, uma senhora de cabelos roxos.
Da terceira vez em que a vi, entendi num relance, entre reflexos roxos de sol: ela havia pintado os cabelos de roxo porque quis. E percebi, envergonhada, que a vontade daquela mulher era poderosa. Ela assim desejou, e assim foi feito; e nenhum olhar de estranhamento, nenhuma crítica estética, nenhuma zombaria ou aversão, nenhum julgamento de gosto a fariam mudar. Aquela mulher era especial, pois estava acima da opinião alheia, e seu desejo era mais forte que qualquer circunstância. Ali brilhava uma mulher singular, e não era por causa de seus cabelos - eles apenas sinalizavam isso.
Da quarta vez que a vi, achei que o roxo lhe caía muito bem. Depois perdi a conta; muito provavelmente eu a tenha visto novamente várias vezes, mas a partir de então ela não mais me chamou a atenção. Apenas entendi que ainda tenho muito que aprender com as pessoas e suas cores.