OS QUATROS TEMPOS

Quando eu a vi tinhas 6 anos e eu 8 ou 9, brincavas num quadrado acolchoado de plástico, com diversos brinquedos, muitos deles de menino. Mesmo nesta idade fiquei pasmo com sua beleza, falei um monte de bobagens e você ria sem parar, notei um sinal na parte inferior de suas coxas, achei lindo, como achei tudo em você, mas o que marcava eram seus olhos, grandes, interrogativos, azuis e lindos, lindos demais por expressivos. Naquela tarde nós brincamos brincadeiras daquela época, você foi minha enfermeira, minha esposa, minha rainha. Logo ao anoitecer os adultos nos separaram. Você estava triste e seus olhos grandes me miravam com uma lágrima caindo pela face à direita, sulcando teu belo e rosado rosto, a expressão de “nunca mais” foi comovente e povoou meus sonhos até a adolescência. Sabias como eu que estava de passagem e iria viajar para muito longe.

Quando nos vimos pela segunda vez tinhas 17 anos e eu correndo para os vinte, estudavas e se preparavas para o vestibular futuro, Eu trabalhava em uma farmácia e fui convidado para um batizado na Matriz da Cidade, foi como num sonho, um sonho real com beliscão e demais componentes, sua alegria genuína me pegou de surpresa, mesmo tendo nos despedido de maneira emocional, não acreditava que ainda se lembrava de mim. Lembrava. Foi uma paixão fulminante, arrasadora. Mil planos planejados em cima das nuvens de encantamento, realidades futuras ignoradas em nome da paixão surrealista, jovem e descompromissadas, invejamos casinhas do campo em vales verdes nas nossas viagens, sentiamo-nos tão uno que até as dores eram a dois, os pensamentos iguais, os pressentimentos igualmente ignorados, as sensações novas, descobertas novas, desbravamos o mundo juntos, desfazendo lendas, aprendo lições autodidaticamente, juntos plantamos e colhemos rosas sem importar os espinhos, a tempestade, íamos em frente agarrados e com a coragem que só os jovens tem, o destemor, o amor sublime forte e fraco, fraco até a primeira pedra, o primeiro ciúme e os danos da epidemia do ciúme crescente, a confiança perdida, as brigas, o fim.

Quando nos vimos pela terceira vez a vida tinha nos ensinado duramente, éramos “coroas” tínhamos mais saudades que futuro, estávamos cheio de marcas das traições, violência, invejas, da luta diária pela sobrevivência. Não estava mais em nossas faces, o frescor que outrora exibíamos, seus olhos tão lindos assim continuavam, emoldurado por rugas atrozes, estavam ilesos, lindos e brilhantes, esperançosos e desiludidos, magoados e com perdões mil, tinha a mesma essência, mas existia também a maturidade do possível o do impossível, a vida venceu. Perdida mesmo assim, isolada pelas circunstancia, estava frágil e forte, deu-me uma enorme vontade de apertá-la em meus braços e cuidar para que ninguém mais a machucasse, erguer uma rede de proteção de ternura, amor, carinho e companheirismo, abraçamo-nos como dois náufragos, sobreviventes na luta para seguir juntos como os trilhos da ferrovia da vida. Na seqüência ela me apresentou ao seu 3 º marido, jovem, desproporcional a ela, gestos e falas de cinismo, me afastei impotente, sabedor que seu sofrimento continuaria, na sua busca desesperada por amor, deram ouro de tolo de recompensa, coitada de meu ex-amor.

A Última vez que nos vimos ficamos a beira da praia a nos abraçar, trêmulos a nos enxugar lágrimas, estas lágrimas ainda hoje caem de meus olhos, guardadas a tanto tempo, são lágrima que mostram o déficit de nossas vidas, como jogamos tudo para e pela estratofesra de nossos sentimentos puros, trocando por sentimentos vis. Como pagamos por gestos que a inexperiência nos ortoga. Ainda chorando com ramos de flores nos braços, eu olho para a foto dela no seu túmulo e só vejo os lindos olhos que perdi tanto tempo, que tive uma vida para ver

Tam nada não minha santa, me espere aí onde estás, juro-te que não perderei tempo com pensamentos mesquinhos, e que durante todo o tempo do mundo, ficarei a mirar-te sem cansar, fazendo planos e te amando, mesmo que seja eternamente