As Vozes da Vida
As Vozes da Vida
Ainda que nem sempre percebamos, a vida é conflito e contradição. Assim como a superfície plácida de um lago não reflete a turbulência que ruge em suas profundezas, assim também a vida nem sempre evidencia a maior parte dos conflitos que são a outra metade de sua natureza.
Tecida com os fios do mistério e da busca, a vida nos oferece a oportunidade de novas descobertas a cada passo, quando – e se - nos colocamos como andarilhos pelos caminhos da evolução, ou ainda quando distraídos, trilhamos descuidadamente suas muitas armadilhas. Estas últimas são também uma perene fonte de aprendizagem. As estradas íngremes, as escarpas e a não compreensão de determinados momentos, que se nos afiguram como encruzilhadas, fazem parte do gigantesco ciclo de composição e transformação da vida. Encruzilhadas podem ser dúvidas para alguns, fim para outros e um novo início para quem ousa.
Estar atento à pluralidade que mobiliza o movimento do universo com todas as suas energias faz parte da complexa tarefa de viver. Saber-se integrante de cada conexão que impulsiona a mola propulsora da existência, ocupando o espaço vital com que fomos presenteados é um dos desafios que nos desperta em cada um dos nossos amanheceres.
O que nos diferencia, ao longo da nossa existência, não é o tamanho do passo, mas a forma como resolvemos caminhar. Apesar do terreno desconhecido e dos imensos túneis que nosso olhar precisa atravessar, sempre existe a possibilidade de nos encontrarmos conosco a cada curva do caminho, se estivermos atentos a esses encontros. E neles, as vozes da desesperança e do desistir estão sempre à espreita clamando por nós, mas igualmente estão presentes as vozes da fé e da coragem, que são igualmente intensas e sonoras, quando nos decidimos a ouvi-las.
Fôssemos capazes de olhar a vida com menos certezas cristalizadas, convicções exageradas e verdades solidificadas, de certo, sentir-nos-íamos menos confortáveis, mas, à luz da dúvida, certamente ampliaríamos nossa busca e encontraríamos uma diversidade infindável de cenários à nossa disposição.
Penso que há em nós uma essência que é imutável, e aceito que co-habita com ela um espaço para nossos sentimentos e percepções provisórias. Estas últimas, penso, são um rascunho, um texto inacabado, onde podemos recompor a cada momento a nossa história de vida, se permanecermos fluídos e maleáveis. Mas muitos de nós não nos dispomos a reexaminar, revisar, revisitar o que escrevemos em um dado instante de nossas vidas. Repetimo-nos em soluções e respostas antigas ao que nos surge no presente. Findamos por sofrermos desnecessariamente, vez que não nos damos conta de que as respostas antigas, já não surtem qualquer resultado; insistimos em visões permanentes por medo de colocarmos em cheque, o que se nos apresentava como imutável. Pode parecer mais simples negar as contradições e os conflitos que são inerentes ao existir, mas basta olharmos ao redor para constatarmos que a forma é ilusória, e que estar no mundo é um perene exercício de inquirição.
Na vida, nem sempre apenas mudar a direção do olhar, afiança-nos o aperfeiçoamento e a evolução. O que nos cabe é transformar o olhar para podermos ver os vários cenários de uma mesma cena. Penso que esta é a razão última do nosso existir no universo.
Fernanda Guimarães