3 DE POETAS E DE POESIA

Ainda não descobri quem inventou essa potoca de que os poetas são entidades míticas, nefelibatas, seres exóticos que vagueiam lá pelos caminhos das nuvens.

Ser poeta é sugerir, e não apenas isto, mas causar por, para influenciar tudo que pisa no chão. Ousar, a fim de que o mundo vire ação, sobre as trilhas do refletir.

A única experiência traumática que tive com a poesia foi quando, no velho curso ginasial, a professora de Português (imaginem, Língua Portuguesa!) decidiu voluntariamente investir contra a minha pretensão de rabiscar sonetos e, mesmo sem sal, bancar o poeta.

- Eu tenho a impressão de que quem anda fazendo poesia vive no mundo da lua! - asseverou a mestra, ao cair eu na besteira de pedir-lhe a competente e abalizadíssima opinião a respeito dos meus versinhos chinfrins de "Miragem".

Embora ensaio ruim, de neófito, coisica de bardo imberbe, o arremedo de soneto ganhou mais tarde publicação, em canto de página, no saudoso jornal "Unitário", ali pelos portais dos anos 60. Este matutino, filiado aos "Diários Associados", após a morte do seu patriarca, Assis Chateaubriand, fechou de vez suas portas, emborcou suas linotipos, juntamente com o co-irmão "Correio do Ceará". Perda irreparável.

Mas, volvendo à professorinha crítica do Liceu, não cultivei rancor do ponto de vista exarado pela mestra. Também nunca me esqueci disto, até os longes de hoje.

É direito de ser-se assim ou assá, ter livre arbítrio. Apenas nunca compreendi como alguém, que mexia com as letras de Camões, pudesse repassar tantar aversão, tanta indiferença a um esboço, quando nada digno de um incentivo, a favor da pobre literatura cearense, quiçá nacional.

Acresce que a filha de Deus nem me fitou o papel poético, onde dormia minha obra-prima, que apenas segurou, mas foi logo devolvendo, com a sentença mortal: "- Eu tenho a impressão..."

Façam isso não, professores de Português. Se a obrinha do aprendiz não presta, paciência. Ao menos arremecem uma palavra amiga ao sonhador dos versos mais bonitos que já a engenhosa mente humana produziu. Algo como, por exemplo:

- Muito bem. Prossiga no intento de escrever e leia muito, sempre. E sobretudo leia e escreva, até você adquirir a sua própria maneira de ser, seu "estilo", como comenta o pessoal.

E sonhar é preciso. Ai da terra, sem o canto, que é a chuva fértil para a messe interior dos humanos. Sem sonhar, sem regar de utopia a esperança, quem resistirá? Sem a simbologia do imaginário, não, não haveria nem poetas nem poesia. Tampouco existiriam profetas, visionários, pensadores, cidadãos do mundo, um Carlitus, artistas diversos, empreendedores, nem pioneiro algum.

Por isso, todo o sonho seja dado ao homem, inclusive o de escolher com liberdade o lugar onde ele possa assentar a tenda do seu ideal.

Fort., 10/10/2008

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 10/10/2008
Reeditado em 02/03/2010
Código do texto: T1220547
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