ESTÁ ESCRITO. Coletânea UM

O desespero, o tempo imponderável e a traição. São situações que aparecem em alguns desses livros. Alguns trechos estão reunidos nessa Coletânea de número UM.

O último registro de seu cérebro foi ter visto a traseira de um caminhão aproximando-se rapidamente enquanto empurrava o pedal do freio com toda força. Por um momento lhe pareceu que pressionando o pedal do freio com toda a força, como estava fazendo desesperadamente, era ele quem empurrava o carro para frente mais e mais, aumentando-lhe a velocidade. Ilusão e confusão. O carro seguiu derrapando, com as rodas travadas e com os pneus arranhando o asfalto, em direção ao caminhão parado na estrada. Ele, por sua vez, forçava o corpo para trás, contra o encosto do assento, que se rompia num estrondo, Deitado sobre o encosto do assento quebrado, ele ainda estava agarrado ao volante quando seu corpo penetrou por baixo do pára-choque do caminhão onde ainda pode ler “Deus me guie”.

A frase passou velozmente sobre seus olhos esbugalhados de pavor e bateu em sua testa. Fim do acidente.

Do livro “Além das Portas Azuis”

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Um dos momentos mais importantes da convivência humana é quando a família se reúne em torno de uma mesa para fazer as refeições. Esse momento mágico e sagrado é de comunhão, alegria e integração. Um dos primeiros sinais da desunião da família pode-se pressentir quando alguém se dispersa comendo em horários diferentes dos outros e apressadamente. É um sinal que muitos não percebem, pois estão ocupados, em geral com seus negócios, com seus problemas; aborrecidos e entediados.

Hoje em dia poucas famílias, nas grandes cidades pelo menos, têm condições de se reunir para fazer três refeições diariamente. O cotidiano de correrias com horários sempre apertados não permite perder mais tempo, mesmo que para a maioria da população corredora, tempo não seja dinheiro, mas apenas falta de tempo mesmo. Isso porque acreditam que podem “ganhar” tempo. Entretanto nunca sobra tempo pra nada a não ser é claro pra ganhar tempo.

Gosto muito de lembrar de uma pequena história. A Pequena História do Tempo que contava em minhas palestras de treinamento e de motivação. Vou contá-la: todos os dias são depositados na sua conta do Banco Vida Ltda., 1440 minutos. Você os usa como e quando quiser desde que gaste tudo no período de 24 horas. Não há saldo positivo nem negativo no outro dia, pois sua conta fica “zerada” depois de 24 horas quando então é feito um novo depósito. E assim sua Conta Tempo Corrente no Banco Vida Ltda. vai sendo abastecida até sua morte. O que você tem que fazer, então, não é gastar, nem economizar, nem ganhar tempo. É usar bem os seus 1440 minutos diários. È fazer bom proveito deles. Não adianta querer ganhar tempo e não fazer a coisa certa. De que adianta o tempo ganho depois de um beijo apressado e mal beijado na hora da saída! Ou de sexo rápido e nervoso porque não deu tempo! Ninguém tem meio orgasmo pra ganhar tempo, suponho!

Aproveite bem o seu tempo sem guardar ou acumular um milésimo de segundo que seja pra depois. Use o tempo necessário para fazer o que deve ser feito, e sem atribuir-lhe algum valor pela quantidade de tempo que levou pra fazer. Muitas vezes um segundo pode valer mais do que muitos minutos. Quer saber? Pergunte para um condenado a prisão perpétua quanto vale 24 horas. Pergunte quanto vale 5 minutos pra quem acaba de perder o avião, principalmente se ele caiu um minuto antes de pousar. Mas já que você tem que correr, se não o bicho pega e come, reserve tempo para suas refeições, pelo menos.

E justamente por isso, talvez, por causa dessa correria toda, torna-se cada vez mais importante a reunião da família à mesa para fazer, pelo menos, uma refeição por semana. A família reunida em torno da mesa de refeições consagra os alimentos.

Do livro “Como Comemos”.

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Era uma vez, um homem chamado Jó. Ele vivia em Uz uma pequena cidade do Oriente, próxima ao rio Eufrates. Jó tinha 10 filhos, 7 homens e 3 mulheres, e era muito rico pois tinha 7 mil ovelhas, 3 mil camelos, 500 juntas de bois, 500 mulas e muitos empregados. Jó era o homem mais rico de toda a região. Mas era honesto, íntegro e temente a Deus.

Seus filhos faziam grandes festas todos os dias, cada dia na casa de um deles. Como eram 7 irmãos passavam a semana se banqueteando; comendo e bebendo, dançando e cantando; sempre em grandes quantidades e exageradamente como convém aos ricos da elite dominante. As 3 irmãs sempre compareciam a esses rega-bofes.

Depois de cada uma dessas festas, Jó reunia seus filhos e para purificá-los oferecia sacrifícios a Deus, pois acreditava que eles tinham cometido pecados e assim ofendido o Senhor.

Jó era um homem muito estimado por todas as pessoas da pequena Uz porque nunca havia deixado de ajudar alguém sempre que precisassem dele. Entretanto, ele fazia isso porque acreditava que procedendo dessa maneira, Deus continuaria retribuindo essa sua generosidade dando-lhe muito mais bens materiais, além dos que já possuía. Jô era um homem feliz. E assim vivia, orgulhoso e satisfeito com o que acreditava ser um contrato muito particular com Deus, e por isso, ser um homem privilegiado.

Certo dia, Satanás, um dos mais importantes e influentes participantes da corte celestial, foi, juntamente com outros anjos, conversar com Deus. Ele ainda não representava o mal, do modo como hoje parece; ele era uma espécie de investigador. Estava sempre questionando, desconfiando de tudo e de todos. E entre as práticas que mais gostava estava a de colocar as pessoas em dúvida. Não só as pessoas como também os anjos e até mesmo Deus. Nessa reunião estavam anjos de várias categorias, todos eles, também, filhos de Deus.

- De onde vens, meu filho? Por onde andavas? - perguntou Deus bondosamente a Satanás.

- Fui dar uma volta pela Terra; passear por ela e ver seus habitantes humanos!! - respondeu Satanás com certo atrevimento.

Deus, então, com grande complacência e aparentando um curioso interesse, indagou de Satanás:

- Você já prestou atenção no meu servo Jó? Ninguém é como ele na Terra; um homem íntegro que não pratica o mal e é temente a mim. Além de me reverenciar e me adorar.

Ressaltar suas qualidades, Deus ainda afirma que ninguém na terra é como Jó; ele é único. Satanás, com debochado atrevimento retruca:

- E porque Jó não seria temente a ti, meu pai? Tu colocaste um muro de proteção a volta dele, abençoando sua casa, seus bens e tudo o que ele faz, multiplicando sua fortuna. Experimente tirar dele as coisas que possui e ele te amaldiçoará.

- Muito bem! - disse Deus. Se tu achas que Jô é um homem íntegro somente porque retribuo sua fidelidade com muitos bens, eu permito que tires tudo dele. Tome todos os seus bens e vamos ver se ele me renega. Mas, com uma condição: tu não poderás machucá-lo. Não toques no corpo dele! – ordenou Deus.

A surpreendente proposta-desafio de Deus deixa Satanás muito entusiasmado. Esse é o jogo preferido de Satanás; duvidar sempre. E ele joga duro, pra valer, sem pudor, sem dó, sem compaixão. Joga com ódio, com raiva; joga para ganhar, sempre. E raramente perde.

Jó, segue sua vida tranqüila e abastada de tudo. Não sabe, e nem pode sequer imaginar, que num determinado momento e em algum lugar alguém pode estar tramando alguma coisa contra sua vida sem necessariamente tirá-la. Há quem chame isso de atentado.E quando a desgraça vem sem nenhum motivo, sem razão, a isso chamam acidente. A maioria das pessoas prefere, porém, acreditar em destino. Que não é ente nem uma entidade mas que atua sobre os seres humanos, sobre os animais e sobre todas as coisas inanimadas involuntariamente. Jó acredita na existência de um ser espiritual supremo ao qual chama de Deus não só porque tem fé, que dispensa qualquer razão definida nem evidências físicas, mas, contraditoriamente, porque pensa que é por ela beneficiado. Pratica o bem todos os dias, e é temente a Deus, sempre em retribuição a graça e aos bens que, acredita, são dados por ele.

Certo dia, Jó recebe a visita de um mensageiro contando que seus rebanhos e suas plantações haviam sido destruídos por uma terrível tempestade com raios. Seus empregados estavam todos mortos, assassinados por bandidos, assim como também seus dez filhos. Jó perdera tudo o que tinha; seus bens, sua fortuna, camelos, ovelhas, plantações, empregados e seus filhos amados. Desesperado, rasga as roupas, raspa a cabeça e nu cai por terra dizendo:

- " Agora estou nu novamente, assim como sai do ventre de minha mãe. Deus, me deu tudo o que eu tinha, agora me toma tudo de volta. Bem dito seja Deus!" - clamou sem maldizer seu nome.

Mesmo sentindo a mais profunda dor, e estando arruinado, depois de perder todos os seus bens, que eram muitos e valiam uma fortuna; e de ter perdido seus empregados, que também valiam dinheiro, assassinados por um bando de criminosos, Jó se mantém fiel a Deus. E também sofrendo a insuportável dor de perder todos os seus filhos, esmagados sob a casa do filho mais velho, onde estavam reunidos, tombada por um furacão, Jó permanece fiel a Deus.

Depois de alguns dias da tragédia que promoveu contra Jó, na aposta que fizera com seu pai, Satanás volta a se encontrar com Deus que, aparentando certo orgulho com aquela primeira vitória, pergunta:

- Tu viste meu servo Jó? Perdeu tudo o que possuía e mesmo assim continua integro e fiel a min. Mesmo depois que tu, a troco de nada, te lançaste contra ele para aniquilá-lo sem motivo nenhum, Jó continua fiel a mim. Sem mal dizer meu nome.

- Por enquanto! - responde Satanás maliciosamente. E ainda desafiando a fidelidade de Jó para com Deus, propõe submetê-lo a mais uma prova, ainda mais dura do que a anterior.

- Ora, meu pai, tu sabes, um homem ameaçado não hesitará em dar tudo o que tem para salvar a sua vida. Depois, livre da ameaça e com sua vida preservada, ainda que sem mais nada, mesmo assim, não amaldiçoará quem lhe tomou os bens. Assim é Jó. Entretanto, toca no corpo de Jó, atinge seus ossos e sua carne que certamente ele blasfemará contra ti. Não há fidelidade em retribuição ao que não se ganha em troca.

Então Deus, ainda seguro da pertença de Jó, surpreendentemente autoriza Satanás a atingir o infeliz servo. A machucar seu corpo. Aceita a provocação concordando com o desafio dando a Satanás o poder de destruir o que ainda resta para Jó. Seu corpo ileso.

- Muito bem, Satanás - diz Deus decidido e com sua voz firme - faça com ele o que quiseres; podes ferir seu corpo. Mas quero meu servo com vida.

Deus se deixa envolver e mesmo sendo desafiado não acredita que poderá perder a aposta. Diante da pressão de Satanás permite que Jó seja ferido, contrariando sua advertência anterior. Satanás então, autorizado por Deus, cobre o pobre Jó, da cabeça aos pés, com feridas horríveis que queimam seu corpo e exalam um cheiro insuportável de pus e de podridão. Desesperado com as feridas e com a dor que sente, Jó raspa com uma lasca de pedra as partes de seu corpo tomado por feridas enormes tentando, assim, remover a carne podre que vai se formando.

Vendo a aflição terrível pela qual Jó está passando, sua mulher o aconselha a amaldiçoar Deus de uma vez e depois morrer. Assim Jó se vingaria de Deus a quem tinha sido fiel a vida toda, sem restrições e até nesse momento de desgraça absoluta; mas que agora lhe tirava todos os bens e até sua saúde, abandonando o infeliz a sua própria sorte.

Jó, todavia, sofre calado porque acredita que se aceitava as coisas boas que Deus lhe dava, agora deverá aceitar as aflições e todas as coisas ruins. Deus sabe o que faz - pensava. Sabe por que dá e sabe por que tira. Por isso, amparado por essa crença, não ofende a Deus resignando-se com sua desgraça. Jó sabe que Deus é o responsável por seu infortúnio; por seu sofrimento físico e por sua dor interior, porque acredita que Deus tem todo o direito de punir quem comete pecados. Quem não lhe é fiel, em retribuição as suas graças e as suas dádivas, como ele mesmo tinha sido até aquele momento. Por isso, Jó não entendia porque Deus o tinha atacado, se não tinha cometido nenhuma falta, nenhum pecado. Apesar disso, entretanto, Jó não acusava Deus de ter sido injusto com ele. Continuava a amá-lo e a temê-lo, numa contradição de sentimentos.

Porém, Jó não sabia da aposta que Deus fizera com seu filho Satanás. Não sabia que ele era apenas a peça de um jogo inútil de quem tem o poder sobre as pessoas e se diverte em prová-lo por vaidade. Também não sabia que tinha sido Satanás quem o cobrira de feridas e não Deus, como imaginava. Deus não faz nem o bem nem o mal; eles apenas acontecem. Jó não saberia jamais.

Do livro “Jô, da terra de Uz”.

*Trechos desses meus livros: Além das Portas Azuis, Como Comemos e Jó, da terra de Uz.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 09/10/2008
Código do texto: T1220174
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