ANÁLISE DE CANTADAS 2 (“Ela diz:/ – Você tem horas?/ Você emenda em seguida:/ – E você, tem telefone?”)

As expressões interrogativas “Você tem horas?” e “Você tem telefone?”, se percebidas literalmente, não serão compreendidas em seu sentido real, tal como é utilizada pela sociedade brasileira. Tratam-se de expressões idiomáticas. Um estrangeiro falante da língua portuguesa, e (suponhamos) não conhecedor da especificidade destas expressões, se interrogado, provavelmente responderia: “Eu (não) tenho horas, pois (não) tenho relógio.” ou “Eu tenho sim telefone, comprei um semana passada (ou, se a resposta for negativa, ‘Não, ainda não comprei um telefone.’).” Além disso, tal estrangeiro poderia ainda questionar: “Ter horas é sinônimo de ter relógio? O que significa ter horas?”. Tais observações provam que as expressões ora consideradas não podem ser entendidas literalmente. Tratam-se, como já foi dito, de expressões idiomáticas e, portanto, exigem do falante que, considerando um fenômeno normal (tal como o é) esta ‘flexibilidade de sentido’ no contexto de cada idioma, procure absorver o sentido cristalizado (ou legitimado) pelo povo.

Considerando, agora, o legítimo falante da língua portuguesa falada no Brasil, para este não haverá dúvidas de que alguém que pergunte: “Você tem horas”, esta pessoa está querendo saber “que horas está marcando o relógio naquele momento”. Igualmente, a pessoa que pergunta “Você tem telefone?”, a mesma quer saber, na verdade, qual é o número de telefone do interlocutor (ora), posto que deseja manter contato com ele (ela).

A razão da preferência por tais expressões talvez resida no fato de serem mais discretas, à medida que são mais indiretas.

O humor propiciado por esta cantada flui do suposto “oportunismo” da pessoa que a emite. Ou seja, da habilidade lingüística em aproveitar o enunciado do interlocutor em favor de sua intenção sentimental.

Visto que existe certo “exibicionismo” nas investidas de conquista sentimental (o conquistador (ora) se exibe como potencial parceiro (a) para o objeto da conquista), as cantadas também são elaboradas com esta finalidade exibicionista. É por isto que a sua originalidade promove o conquistador, pois sugere que este realmente domina os recursos expressivos da linguagem, além de ser criativo e oportunista. Em contrapartida, uma cantada arcaica desqualifica o conquistador, mesmo que seja, lingüisticamente falando, bem elaborada. Isto ocorre porque sugere incapacidade: o conquistador não tem algo de original, por isto recorre a elaborações construídas por outros, as quais, devido à intensa freqüência com que são repetidas, tornaram se bizarras e até mesmo motivo de escárnio.

Há ainda outro fator que merece ser analisado nesta cantada. O caráter negociativo que caracteriza o diálogo. O falante (2) parte do princípio de que, tendo sido interrogado a respeito da hora pelo falante (1) e havendo lhe atendido prontamente, tem agora o direito de ter atendida a sua curiosidade. Então pergunta, sem hesitação, qual o telefone do falante (1). O falante (2) sabe que este raciocínio atingiu o seu interlocutor. Por isto, com um sorriso na face, espera que este não infrinja a “lei da negociação” própria do diálogo.