A (Nossa) Cabana

Ricardo Gondim Rodrigues é uma dessas pessoas de não tantas palavras diante de muita gente, em momentos informais, exceto amigos mais próximos. Acho que é exatamente nas poucas palavras, onde encontramos conselhos preciosos e com verdades apenas encontradas nas tentativas de cumprir bem conselhos curtos. Eu o conheci em uma terça-feira, dia 26 de julho de 1988, em um culto de oração. Era a primeira vez que eu entrava em uma igreja protestante. Estava terrivelmente inquieto. Principalmente, por não entender bulhufas daquele tipo de culto. Mas eu não fui disposto a inquirir ou cobrar. Eu queria Deus! No final da reunião e de sua reflexão – e quem o conhece sabe o que ele consegue fazer com pouco tempo ou em um parágrafo –, referindo-se ao texto do vaso desmanchado de Jeremias 18, perguntou quem gostaria de se permitir, nas mãos do oleiro se reconstruir, hoje leio desconstruir. Fui o primeiro a me ajoelhar.

Ele fez de novo. Desta vez, indicando um livro, A Cabana*, que, à primeira vista, pareceu-me um roteiro daqueles filmes policiais, com direito a agentes do FBI e perseguições, mas que, no decorrer da narrativa, tornou-se, para mim, uma das metáforas mais claras e belas do livro de Jó que eu já li. Antes de comprar o livro, procurei referências e vi, por exemplo, que é o quinto livro de ficção mais lido do Brasil, até o momento, e que já é alvo de controvérsias entre fundamentalistas. Descobri logo na primeira metade porquê: A forma como Deus é apresentado, absolutamente não-convencional, entre outras coisas, as quais não gostaria de referir para que quem não leu, não tenha alguma desculpa do tipo: “já tenho o resumo”, para não comprar o livro.

Percebo que há uma tendência, em todo o espaço que conheço, à ânsia, não de respostas de Deus para conflitos e tragédias, mas de sua companhia. Como se a sua presença fosse a resposta mais contundente do que a lógica mais bem elaborada ousasse criar. Mackenzie, o personagem, já que o livro está na estante dos de ficção, é alguém que convive com uma dor, forte, avassaladora, compreensível, companheira fiel. Essa Grande Tristeza é tão parte de sua vida quanto o espinho que perfurava a carne (ou alma) de Paulo. Simplesmente não conseguia vencê-la, até quase gostava dela. Recebe um bilhete, que é um convite para enfrentar a si mesmo e a Deus, no local mais improvável: a cabana onde sua dor nasceu.

Naquela cabana, ele vê Deus e é amado! Se fosse no Ceará, seria recebido com um abraço forte, um cafuné demorado e um cheiro no cangote com perfume de filiação. Vejo-me em Mack, quando olho para minha história pessoal e tenho que voltar a uma linha duas ou três vezes por causa de perda no campo visual, e não me sentir desprezado por Deus. Ou poder pastorear gente com câncer, paraplégica, de luto, despejada, com parentes viciados em drogas e álcool, abandonada pelos cônjuges, ou até estuprada por namorado, sem que se sintam preteridas por causa de outros “vitoriosos”. “Tende bom ânimo”, dito por Jesus, para mim é: “continuem respirando”. “Eu venci o mundo”, para mim é: “transformei a crise e o caos em oportunidades”.

Há algum tempo, as páginas amarelas da revista veja traziam uma entrevista com um médico que dizia que até os pacientes terminais precisam ter a mínima esperança de restabelecimento, pois isso produz dias menos difíceis para elas e com mais qualidade de vida. Quem pastoreia gente que sofre, ou tem alguma Grande Tristeza, precisa dar esperança vívida. Não se pode mentir, como tento não mentir para mim todos os dias. Provavelmente, precisemos ler melhor os bilhetes que recebemos de Deus e viajar até nossas cabanas, onde nossas dores e o nosso alívio podem se encontrar. Ele quer que vejamos seu sorriso, sintamos seu cheiro, discirnamos seu tempo e o chamemos de formas menos usuais, de acordo com nossa experiência consigo.

Eu tenho uma sugestão: PAPAI.

EDNEY MELO