A Fé, a Dúvida, a Crítica, a Cética e a Curiosidade

Uma Fábula Existencial

Cinco irmãs decidiram sair para um jardim para brincar. Elas quase nasceriam ao mesmo tempo. Eram gêmeas não-idênticas, daquelas que você olha e pensa que são apenas primas. Tentavam ignorar a presença uma da outra, por serem tão diferentes, mas acabavam por ficar lado a lado, vez por outra. A tarde estava agradável e o jardim estava especialmente mais bonito. Brincaram por mais ou menos uma hora.

A Fé era uma menina simples, daquelas ingênuas criaturas de trato não muito exigente. Achava, no princípio, que era melhor do que as irmãs, porque surgiu primeiro do ventre de sua mãe – como se o fato do seu nascimento anteceder aos das quatro, desse a ela algum tipo de primazia. Tentava ser absoluta em quase todos os seus pontos de vista. Estava sempre disposta a ter a última palavra. E isso a tornava antipatizada, e até, às vezes, hostilizada pelas irmãs. Era ela que dizia que tipo de jogo todas tinham que brincar e queria controlar tudo. E quando as outras não gostavam e perguntavam por que aquela regra, ela respondia: “Porque sim!” E as quatro quase unânimes gritavam, revoltadas.

A Dúvida era a primeira a falar, apesar de não ser muito eloqüente, por causa de sua introspecção, que a levava geralmente à reclusão e ao emudecimento. Ela sempre passava despercebida em todas as reuniões familiares. De jeito nenhum ela era corajosa. Detinha sempre seus pensamentos guardados pelo medo da rejeição. Mas tentava ficar à vontade perto das cinco irmãs. Afinal, do que adiantaria brincar com elas se não pudesse abrir a boca, se expressar? Talvez por isso, nessas horas ela sempre levantava o dedo, num pouco sonoro: “Não entendi!”. As outras a seguiam com frases ininteligíveis, quase onomatopéias, e a Fé ficava furiosa.

Brandindo os braços, a Crítica vociferava tão forte que as outras calavam para ouvi-la. Encrenqueira e inteligente, era quem procurava os argumentos mais agudos, mais dilacerantes. Ela não se contentava com o “não entendi!” que sua irmã, Dúvida, levantava. Ela tinha que se atrever a questionar mais. Inclusive, a necessidade daquela brincadeira. Contundentemente, começava a “fatiar” a metodologia do joguinho que até aquele momento as divertia, as razões para tais e tais movimentos que a Fé tinha criado desde a concepção da idéia de brincarem. A Fé apenas fazia acenos e meneios com a cabeça. Mas nada detinha a ânsia faladora da Crítica. Quando as questões que ela levantava ficaram pessoais, alguém pediu pra falar, com jeito pontual. Como quem vai trazer uma resposta cabal, outra irmã interfere com: “Êpa! Não é possível que só você queira falar!”

Era a Cética. A mais investigativa e de pensamentos mais profundos das irmãs. Enquanto as meninas brincavam, ela sempre estava investigando, conferindo os argumentos, olhando para as mãos das irmãs. Como se elas fossem livros, ela as lia. Seus gestos e falas eram as páginas que ela passava, lentamente, como quem quer ver o que ainda não quiseram mostrar. Ela não estava preocupada com o objetivo absoluto da brincadeira. Ela queria ir junto com as irmãs em direção a um fim que estava escondido. Ela sabia que esse fim existe. Queria ir em direção a este, mas não se preocupava em pontuar, designar, rotular, classificar, catalogar. “Por que a gente não continua aprendendo essa brincadeira? Acho que ainda não acabou. Quero continuar brincando. Vão em frente para eu ficar aqui olhando vocês brincarem!”

Colocando as duas mãos nos quadris e sacudindo o rosto e os cabelos, a Curiosidade, que já estava de pé, faz tempo, irrompe: “Graças a Deus! Não agüentava mais ficar parada. Gosto de conversar, mas eu quero brincar mais!” Essa era a mais espontânea de todas. Nunca parava quieta. A todo tempo se mexendo e “curiando”. Nunca estava satisfeita. Enquanto as quatro estavam ali, falando, ela estava olhando a borboleta que voava entre elas, brincava com as formigas na grama e se perguntava por que uma nuvem voava bem lentinho, enquanto outra se desfazia e uma terceira ficava parada. Era incansável! Fez, então a proposta que estava travada por causa da discussão: “Vamos continuar brincando, gente!”

A Fé, cansada de tantas reprimendas, sem aquele ar autoritário de costume, em vez de impor, perguntou: “Que tal mudarmos de brincadeira? Vamos brincar de Roda?” Parece que era isso o que todo mundo queria. Gargalharam ululantemente, quase esquecendo o motivo de tanto alvoroço. Pararam por um instante e viram que jamais daria certo brincarem sozinhas. Tinham que ficar todas juntas. Deram as mãos e começaram a dançar numa brincadeira sem fim chamada vida.

EDNEY MELO