O MAR DA BARRA

O MAR NA BARRA

Sentadas defronte do mar ao entardecer daquele fim de dia friorento e vento, vendo ondas fortes na praia. Céu em cinzas do claro ao escuro, ensombreando o azul do mar de azuis discutíveis, mãe e filha ficaram ali algum tempo tomando água de coco, meio que dando um tempo.

A mãe sentia desconforto.

A filha inquieta queria chance de pronunciar alguma coisa de precisar coragem de dizer. E acabou dizendo: “Eu quero morar sozinha no apartamento que vou alugar”. Ela conseguiu. A mãe percebe que ela vem tentando dizer isso há muito tempo, mas não ocorrera oportunidade, nem coragem, nem força própria. Já sentia ou pressentia isso. Sim sentia.

E a filha disse.

Mãe ouviu e sentiu. Já calejada, tratou de disciplinar que sentimento fosse, pois tem hora pra tudo, e o momento pra ela não era de sentir coisas além do mar e da filha querida, juntas.

Deteve-se com interesse nas ondas que se erguiam em tom mais claro, quase branco de espumas, e o azul mais puro entre o alto da espuma e o escuro do mar se estendendo na areia molhada, bem ocre, bem praia sem ninguém. Nesta troca de olhar ela acha ou espera que o mar ali perto sinta também o seu sentir. Quase um compartilhar de sentimento atônito e incapaz de sentir qualquer coisa.

Quando a sua outra filha mais velha a pegou de surpresa dizendo: “Mãe, eu não quero que você me telefone mais, não pergunte mais nada da minha vida, não me telefone mais, não me escreva, não me mande mais objeto nenhum, não venha saber nada de mim ou de meus filhos, esqueça o meu endereço, esqueça que eu exista”. Ela ouviu e se espantou. Sua alma de mãe e de amor incondicional se recolheu em área de esquecimento, parecido com espanto e surpresa, mas, automaticamente, botou um corte à dor como numa espécie de escudo de estupor e deixou “tal pacote” numa área ignorada do esquecimento e abraçou sua própria força de se auto estimar e auto preservar. Coisa séria. Ainda hoje, não sabe mais nada dela, nem quer. Ficou fora do seu sentir num canto lá longe do seu fundo que não vem à tona, de jeito nenhum. E se quando ameaça aflorar, mecanismos de defesa inconscientes abaixam pra lá. Então a dor não tem liberdade de vir. O problema é da filha, não é seu. Não lhe compete, pois sentir essa dor. Está no esquecimento.

Agora, vendo o mar a sua frente, acha que este mecanismo voltou a funcionar e, sem julgamento ou crítica à sua filha com aquela sentença de liberdade “eu quero morar sozinha, ou eu vou morar sozinha”, próxima ao trabalho novo e fazer amigos. Não foi uma rejeição como a outra fez, foi um esclarecimento de trato unilateral para a vida atual. A mãe achou até corajoso ela dizer, mas não pensou em nada, não o saberia. Só sentiu. O mar ficou mais interessante que qualquer outra coisa. Seu vai e vem de ondas fortes e altas virou sua única visão; ela não sabia o que sentia, mas o mar era o seu confidente e a compreendia.

Desde então ficou mais perdida, e duvidosa quanto a sentires e planos, ou desejos. Pensamentos zerados. Aceitar. Dar um tempo. Não é o que merecia, pensou. Mas aceitou. E se desinteressou um pouco também. O sentido das coisas se desfaz um pouco no momento, mas daqui a pouco ela se reencontrará. Ainda tem forças de mudar e aceitar.

Mas sente que está envelhecendo mais rapidamente agora. Duvidosa também do que possa mudar. Mas já mudou alguma ou muita coisa que nem sabe. A vinda para o Rio perdeu um tanto de sentido, mas momento virá que terá certeza do que ela quer mudar ou fazer.

MLUIZA MARTINS

O MAR NA BARRA

Sentadas defronte do mar ao entardecer daquele fim de dia friorento e vento, vendo ondas fortes na praia. Céu em cinzas do claro ao escuro, ensombreando o azul do mar de azuis discutíveis, mãe e filha ficaram ali algum tempo tomando água de coco, meio que dando um tempo.

A mãe sentia desconforto.

A filha inquieta queria chance de pronunciar alguma coisa de precisar coragem de dizer. E acabou dizendo: “Eu quero morar sozinha no apartamento que vou alugar”. Ela conseguiu. A mãe percebe que ela vem tentando dizer isso há muito tempo, mas não ocorrera oportunidade, nem coragem, nem força própria. Já sentia ou pressentia isso. Sim sentia.

E a filha disse.

Mãe ouviu e sentiu. Já calejada, tratou de disciplinar que sentimento fosse, pois tem hora pra tudo, e o momento pra ela não era de sentir coisas além do mar e da filha querida, juntas.

Deteve-se com interesse nas ondas que se erguiam em tom mais claro, quase branco de espumas, e o azul mais puro entre o alto da espuma e o escuro do mar se estendendo na areia molhada, bem ocre, bem praia sem ninguém. Nesta troca de olhar ela acha ou espera que o mar ali perto sinta também o seu sentir. Quase um compartilhar de sentimento atônito e incapaz de sentir qualquer coisa.

Quando a sua outra filha mais velha a pegou de surpresa dizendo: “Mãe, eu não quero que você me telefone mais, não pergunte mais nada da minha vida, não me telefone mais, não me escreva, não me mande mais objeto nenhum, não venha saber nada de mim ou de meus filhos, esqueça o meu endereço, esqueça que eu exista”. Ela ouviu e se espantou. Sua alma de mãe e de amor incondicional se recolheu em área de esquecimento, parecido com espanto e surpresa, mas, automaticamente, botou um corte à dor como numa espécie de escudo de estupor e deixou “tal pacote” numa área ignorada do esquecimento e abraçou sua própria força de se auto estimar e auto preservar. Coisa séria. Ainda hoje, não sabe mais nada dela, nem quer. Ficou fora do seu sentir num canto lá longe do seu fundo que não vem à tona, de jeito nenhum. E se quando ameaça aflorar, mecanismos de defesa inconscientes abaixam pra lá. Então a dor não tem liberdade de vir. O problema é da filha, não é seu. Não lhe compete, pois sentir essa dor. Está no esquecimento.

Agora, vendo o mar a sua frente, acha que este mecanismo voltou a funcionar e, sem julgamento ou crítica à sua filha com aquela sentença de liberdade “eu quero morar sozinha, ou eu vou morar sozinha”, próxima ao trabalho novo e fazer amigos. Não foi uma rejeição como a outra fez, foi um esclarecimento de trato unilateral para a vida atual. A mãe achou até corajoso ela dizer, mas não pensou em nada, não o saberia. Só sentiu. O mar ficou mais interessante que qualquer outra coisa. Seu vai e vem de ondas fortes e altas virou sua única visão; ela não sabia o que sentia, mas o mar era o seu confidente e a compreendia.

Desde então ficou mais perdida, e duvidosa quanto a sentires e planos, ou desejos. Pensamentos zerados. Aceitar. Dar um tempo. Não é o que merecia, pensou. Mas aceitou. E se desinteressou um pouco também. O sentido das coisas se desfaz um pouco no momento, mas daqui a pouco ela se reencontrará. Ainda tem forças de mudar e aceitar.

Mas sente que está envelhecendo mais rapidamente agora. Duvidosa também do que possa mudar. Mas já mudou alguma ou muita coisa que nem sabe. A vinda para o Rio perdeu um tanto de sentido, mas momento virá que terá certeza do que ela quer mudar ou fazer.

MLUIZA MARTINS