Perdi o amigo, por ter-lhe dito o que as pessoas só cochicham às suas costas. Perdi o amigo, por não me conformar com sua situação, com sua condição de vida. Por ter aqui mesmo no Recanto, exposto seu drama, só para ver o que pessoas sensíveis achavam da história. Escrevia, com minhas metáforas, é claro, lhe mandava os textos com os comentários, e ele apenas achava graça.
Perdi um amigo que não queria perder, aliás, quem quer perder alguém especial? Alguém da época da faculdade (faculdade que ele abandonou) e que reencontrei depois de vinte anos. Um poeta, não das letras, poeta do barro, um escultor genial, que só agora está retornando às obras. Um sujeito bom, querido por todos. Mais um daqueles talentos anônimos, que hoje teria um nome reconhecido ou seria, no mínimo, um brilhante engenheiro. Ou que não fosse nada disso, fosse só uma pessoa feliz.
Mas não é. Não é e sabe que não é. Todos que o amam sabem. Da nossa época de faculdade até aqui, ele casou, teve filhos, como todo mundo. Só que foi se apaixonar justamente por uma daquelas mulheres “espertas”, cujo único objetivo na vida é arrumar um cara que as sustente eternamente. E arrumou. E desastrou a vida desse cara.
Ela não, ele se deixou desastrar! Não pegava uma argila, porque ela achava palhaçada, não se formou, porque ela achava que ele ganhava pouco, então sempre tinha dois empregos, e naquela época o curso de engenharia era em tempo integral. Ele não falou com seus pais por 12 anos, eu disse 12 anos, porque ela achava que eles a discriminavam, vai lá saber por que. Quer dizer, sujeito de auto-estima era esse meu amigo!
E depois que nos reencontramos, fui aos poucos sabendo das coisas, tratei de incentivá-lo com as esculturas, fazia de conta que não via só água em sua geladeira. Ele está separado, totalmente sem auto-estima, trabalhando sempre com pânico de perder o emprego, porque tem três filhos em faculdades particulares, está no SPC porque madame fez mil compras antes da separação e ele não pode pagar. Enfim, isso daria um texto enorme e não é meu estilo.
O fato é que tive coragem de puxar-lhe pelo braço, quando por puro acaso, descobri que madame iria dar R$ 294,00 por um vidrinho de perfume e ele não tinha dois pilas para ir a uma lan house, ver um site de esculturas que lhe comentei. E o mês está só no começo. O convidei então para vir aqui em casa, usar a internet, mas ele também não tinha dinheiro para o ônibus.
Só que fui idiota, porque ele já havia me dito, quando outra pessoa comentou qualquer coisa, que nada, nem ninguém, nunca, iria abalar a maravilhosa relação que tinha com sua ex-esposa e seus filhos. Como se eu quisesse abalar alguma coisa.
E para quem não entendeu nada, resumo, o cara, tudo que recebe vai direto para a conta de madame (um acordo louco deles lá) e ela, pinga migalhas para ele, 50 hoje, 30 daqui duas semanas, etc. Ele mora mal, come mal, com muita hora extra compra algum material de escultura, não vai a um cinema, não vai a um show, não compra um livro, enquanto madame nada no perfume francês. E eu, que não tenho nada com isso, perdi meu amigo querido...
Melhor parar, antes que alguém diga que quem queria a grana dele era eu... rs (não dá idéia... rs).


**Agora, dane-se se ele ler isso aqui (quer dizer, se dos 20 pilas que madame liberar essa semana, sobrar unzinho, para dar um pulinho na lan).
Lu Genovez (off)
Enviado por Lu Genovez (off) em 08/10/2008
Reeditado em 26/12/2009
Código do texto: T1218033