Ao Rio, com amor...
Uma segunda homenagem:
"Por volta das vinte horas, andava pela Vieria Souto, à altura do posto 8. À medida que eu andava, as luzes dos postes que ficavam para trás se apagavam. Isso ocorreu durante 3 ou 4 postes. Ingenuamente sorri, porque vi nisso uma carinhosa forma do Rio se despedir de mim. Como agradecer tanta gentileza que essa cidade me dispensou não sei, senão pela minha devoção eterna, pela paixão crescente que me queima a cada saudade; e não tive outra reação que não fosse abaixar ao nível da calçada de Ipanema, e lhe dar um beijo de infinita gratidão por me ter suspendido a meio palmo do chão, naquela alturinha, naquela nuvenzinha flutuante sobre a realidade, que a gente fica quando bebe qualquer coisa, ou quando está apaixonado.
Neste estado permaneci por um pouco mais de um mês. Neste estado de graça inevitável ao se colocar os pés sobre os semi-círculos opostos e contínuos desenhados no calçadão de Copacabana, ao se caminhar por Ipanema no compasso delirante da Garota de Ipanema (sim, eu me senti A garota de Ipanema, fazendo caras e bocas e passinhos, e, claro, sendo pensada como louca pelos demais transeuntes). Gratidão pela gula de querer engolir e perceber dissolver em minha língua o Pão de Açúcar, comê-lo todo, sem dó, até salivar tanto, que se assemelhe a minha boca à baía da Guanabara, linda, com seus barquinhos infantis. Gratidão por me fazer reconhecer a salvação cristã estando alí, aos pés do Cristo. O paraíso é aqui. O céu é o Corcovado, de onde vejo tudo, e me divirto com a altitude que me faz deus, e me separa dos mortais. Se bem que o céu estava um pouco lotado demais naquele dia, de nem todos anjos, e isto fez-me sentir muito mais na Torre de Babel do que em qualquer outro lugar. Se Deus fosse mesmo brasileiro, já tinha mandado todo mundo para "aquele lugar".
Embriagada pela Lapa, inferninho dantesco de cores exuberantes, comidas ricas, e sons afrodisíacos. Sobre seus arcos trilhei o caminho de volta de um outro pedaço do paraíso: Santa Tereza, com seus botecos sofisticadíssimos, suas lojinhas típicas, e seus sobrados (que sobrados!) tão bucólicos. Pela correria central. Pelo longínquo Recreio. Pela justa homenagem da Rua Vinícius de Moraes, que me fez pagar o maior mico, quando, lenta e incessantemente chorei pelas saudades de quem sequer conheci em vida, mas que respira dentro de mim na tentativa de ressucitar aqueles velhos e bons momentos. Alguém me disse, aqui mesmo no Rio, que Moraes ainda vive. E eu digo que sim, ele vive em mim! Saravá! ao Canecão, em cujo interior "botaram pra ferver" emoções, sensações, algumas lembradas, outras, por caipirinhas embaraçadas... Mas todas deliciosamente vividas, ainda que em promessas a serem cumpridas, a seu "Tempo, tempo, tempo, tempo..."
Obrigada pelo Fashion Mall, e pela Rocinha. Porque são de um só. Pelas palmeiras imperiais, esguias, que cercearam minhas ilusões. Pela ladeira da Rua Sarapuí. Pelos Dois Irmãos, pela Nossa Senhora de Copacabana. Pela Lagoa com sua apoteótica Árvore de Natal, por que o Rio de Janeiro recebeu a sua mais nova expressão musical, teatral, literária - humana. Um brinde com muitas caipiras nativas, e que sejam de jabuticaba! Um queijo coalho na cachaça e manjericão, para acompanhar, por favor. Ou preferem uma pipoca, simplesmente, mas tão elegantemente amparada? Mas desta vez, eu quero um lugar daqueles suspendidos por... Palaphitas!!! Ainda que todo esse episódio não desconfigure a minha primeira triste impressão da Rodrigo de Freitas: quando fora encoberta por um tapete pútrefo de peixes.
Meu último adeus. Subo a Estrada das Canoas, na minha derradeira missão: procurar o âmbar elétrico já anunciado em canção. Subo sem lugar certo para parar. Subo, não sabendo aonde vou chegar. Subo, pedindo para nem mais voltar. No caminho, a pedra da Gávea, assustadoramente enorme, perto, assim, por pouco não a alcançam as minhas mãos. Mas meus olhos a medem, e confirmam a nossa já antiga paixão. Ah, se a Pedra da Gávea falasse, diria a todos do amor que tenho, das confissões de que é ouvinte, por um acaso de semelhança física, que seus traços, por Deus, espelhados foram em carne. No caminho, jacas. Muitas jacas! Tantas, que lamentei serem em grande maioria apenas parte de uma composição puramente paisagística. Aquelas jaqueiras enormes, lindas, dando suas crias. Algumas já trincadas no ar, arrebentando-se de tão imensas, gordas. Lamentei não poder dar a elas o fim desejado. Adoro jaca! Amo seu cheiro inebriante, sua cor, suas formas... Entre uma jaqueira e outra, o susto. Uma jaca que, não se aguentando mais, entrega-se ao chão. Poca e se espalha. Abre-se toda, em câmera lenta, e se dá pra mim. O Rio fica muito mineiro nessa hora, quando reconheço o quintal da minha casa ao meu redor e minhas mãos em vida própria não resistem, e me fazem interromper a caminhada. Com o dedo entro na polpa mole, e no fundo da fruta busco o maior e mais suculento caroço. A boca, deveras, ávida e salivante, encontra em poucos segundos a mão lambuzada de um ato lascivo, de quase gozo. A Estrada da Canoa e suas delícias... Da pista de decolagem, depois de um fim de escalada cansativo, e, literalmente empurrada por um gentil cavalheiro, canto a minha oração, entranhada por tantas asas (sem penas) e gentes, mas com a vista deslumbrande da Praia do Pepino lotada, das pistas de golf vazias: I Love Estrada da Canoa. I Love Canoe's Road. I Love São Conrado. I Love Riooooo... lá lá lá lá. Explica-se: Numa língua não tão bonita quanto a nossa, mas que, naquele instante, atraiu-me à contradição pela explosão de adrenalina que fazia muita questão de se fazer entendida por todos. Logo atrás de mim, uma família napolitana sorri, e regida por uma típica "mamma", dispara automaticamente qualquer canção que apesar de não se fazer literalmente traduzida por mim, deixou bem claro que todos alí, debaixo daquele alambrado, comungávamos do mesmo sentimento. No Rio de Janeiro demos "Aquele Abraço"."
Compartilho com vocês a emoção de ainda perceber um Rio desavergonhadamente sedutor. Que me perdoem as outras, mas eu sou a mais nova namoradinha da Cidade Maravilhosa.
Obrigada pelo sorriso, pelo abraço, pela alegria. Por essa carioquice que fez mais abaianados alguns dias desta mineira.
Meu Rio, até breve...
"O Rio de Janeiro continua lindo. O Rio de Janeiro continua sendo. O Rio de Janeiro - que conheci em dezembro - meu será de Fevereiro, de Março, de Abril..."