Era feliz e não sabia...
Era feliz e não sabia...
Meu caro leitor. Enumerarei aqui alguns fatos que já aconteceram na vida de muita gente, mas que alguém tem que deixar escrito para que não se perca no tempo. Desse passado sem memórias. Naturalmente, esses fatos não obedecerão uma ordem, mas devem ser lidos.
Um exemplo é a palavra “de já hoje” que aparece no livro “Macunaíma”. Como ela era usada. “De já hoje fui no mato buscar lenha...”
Muita gente tem na memória o sabão de cinzas, feito pela vovó. Aqueles tijolinhos que ficavam nas vigas das tulhas ou da cozinha para secar. E os ratos vinham comer. As lingüiças caseiras e toicinhos que eram dependuradas nos trapézios improvisados. E que depois as moscas depositavam suas larvas nas dobras. O famoso colchão de palha, que vez ou outra aparecia um sabugo de milho cutucando nossas costas, tirando o sono, junto com as pulgas e os pernilongos. A gente fazia fumaça no quarto para espantar os pernilongos, mas não adiantava. O fogão de lenha que servia para assar os pedaços de carne quando o pai matava o porco. Mas que a gente ficava papudo de tanto soprar o fogo quando se apagava... As pessoas matavam o “capado” e já corriam levar um pedaço para as comadres. O forno de lenha. Onde era assado o leitão e o frango caipira. Caipira mesmo deste que comia milho e bichinhos, e não veneno da ração. A família unida que oravam juntos e aos domingos saíam juntos para visitar os amigos e parentes. E os amigos ou parentes conversavam com a gente olhando nos olhos e não na televisão. As brincadeiras de “salva” e “pique” onde todos brincavam. O jogo da peteca. A bola feita de bexiga de porco ou de meia. As modas de viola. O contador de causos de assombração. Aquele do velho que era lobisomem, comia bebês e no outro dia aparecia com os fios do cueiro no dentes. Daquelas pessoas que insistiam em dizer que sua avó foi caçada a laço. Porque era índia. Dos riachos onde havia lambaris de rabinho vermelho. Dos bagres chorões que fincava o ferrão na mão da gente. E em cada pocinha havia dois ou três. Das linhas de pescar feitas de linha de costurar. Do estilingue ou do bodoque. Da caçada de preás. Das borboletas azuis. Da coleção de “Filipe”, grãos de café geminados. Que era tratado como uma moeda na roça. Das fontes onde tinha agrião puro. Dos tocos de árvore onde havia a abelha jataí, chamada de jiti. Da abelha arapuá que se enrolava no cabelo da gente. Dos ninhos de tico-tico, cuja lenda dizia que se puséssemos a mão ali, nasceriam sardas no rosto. E se contássemos estrelas no céu nasceriam verrugas nas mãos. Das bacias onde era dado banho nas crianças, onde eram lavados os pés antes de dormir, onde era feito a macarronada no domingo e até lavado o defunto da vovó. Do doce de mamão. Dos doces de figo. Do palmito amargo que mamãe fazia. Dos coqueiros cujos frutos a gente arrebentava e levava para escola para comer o miolinho. Da escola onde a gente tinha que levar lanche. Pão com banha ou com doce de abóbora. Do bornal sujo de tinta que vazava daqueles tinteiros. A gente era feliz!!!
Theo Padilha, 8 de outubro de 2008.