A Menor Diferença

A Menor Diferença

Não faz a menor diferença descer na estação “Paraíso” ou na “Ana Rosa”. O restante do trajeto tem de ser feito à pé, já que o ponto de destino fica aproximadamente entre as duas estações. Opto pela Ana Rosa pois o caminho do pedestre me contempla com uma pequena rua arborizada, sobrados austeros, poucos automóveis. Nunca tive a menor convivência com este bairro. Esta ruazinha, entretanto, evoca quadros antigos, perdidos no tempo, por segundos esses quadros me causam bem estar, me remetem a algo que não consigo identificar em, ou mesmo, com palavras. Minha memória RAM procura atinar a origem, e até hoje não obteve qualquer conclusão, ela fica girando através de emoções fugidias, oriundas de não sei onde, transmissoras, porém, de bons eflúvios.

Suponho que não deva ter surtido quaisquer oscilações no inevitável de seus desfechos, quando os prisioneiros chegavam no campo de AuSCHWUITZ, e olhavam a inscrição na entrada, “O Trabalho Liberta”.

O casal Brent, com dois autistas na família, justo os dois filhos, viu-se de uma hora para outra fundando um grupo de apoio, nos fundos de sua casa, em Maryland, USA. Fez uma tremenda diferença a página na WEB, anunciando os serviços gratuitos de ajuda mútua e troca de informações. Detalhe: esse fato deu-se logo no princípio dos 90, já haviam tentado cartazes de rua e anúncios em pequenos jornais, estavam perdendo a confiança quando um retorno eletrônico finalmente chegou. Mas o que lhes deu alento foi a mensagem dentro da mensagem. Algo como, “força, estamos com vocês, também não sabemos o que fazer”. Porque, para se prosseguir, o alento faz diferença.

Quando Exupéry fez uma escala na Terra do Fogo, não foi um pouso forçado, foi uma escala mesmo, já que o imortal Pequeno Príncipe tinha por ofício o serviço de correios aéreos, se assim pode-se expressar. De repente, ele viu na sua jaqueta um louva-deus. Seu raciocínio foi o seguinte: como esse pequeno inseto veio parar aqui? Sua conclusão foi a seguinte: em algum lugar, não muito distante, deve estar acontecendo uma tempestade violenta. Urge, pois, partir o quanto antes. Diferenças são medidas pela observação. Que resultam noutras medidas, em termos de grandezas aferidas.

Pensando no quarteto que, na minha cidade, tentou a sorte grande em 5/10, através de uma imunidade garantida e irresponsabilidade vitalícia, para eles, pouco importa se na porta da minha casa há um caminhão ou caminhonete, com incômodos alto falantes, esbravejando de 5 em 5 minutos, “vote em mim”. Tratam o eleitor como um débil mental, justamente por não se tratar de um eleitor por excelência, e então movido pela convicção, e sim de um cidadão entre aspas, compulsoriamente dirigido ao colégio eleitoral, cuja ausência na urna lhe é cobrada sem um mínimo de delicadeza. Quando se é obrigado, o termo “democracia” perde o sentido. E o que é pior, há muito tempo não se vota com a certeza de estar ali, com o título em punho, exercendo a cidadania em busca do melhor. Há muito tempo vota-se, ainda por cima obrigatoriamente, no “menos pior”. Ocorre que agora, no páreo, as diferenças são inócuas. É o rol dos eternamente pseudo-preparados, à custa dos eternamente ignorados, que vivem sem nenhum alento e ouvem nos alto-falantes, ainda que noutras palavras, “O Trabalho Liberta”.

Não é de hoje que a aspiração sobre um político de caráter vive na consciência de quase todos os brasileiros. Como o casal Brent, nós cidadãos, ouviremos de bom grado as palavras “força, estamos com vocês, também não sabemos o que fazer”. Que virá de outros cidadãos, que por sua vez também esperam um sinal. Tais atenções e anseios podem fazer toda a diferença. O festival do descalabro exposto pela mídia diariamente abate um tantinho a consciência e a vontade dos que almejam um mundo melhor. Mas a consciência e a vontade trazem consigo um precioso predicado: a perseverança.

Num dos muitos relatos sobre AuSCHWUITZ, há a historia de um prisioneiro que todos os dias ajoelhava-se no chão e agradecia à Deus. Certa feita ele foi interpelado por um de seus colegas:

- Pelo que você agradece?

- Por Deus não ter me feito como eles.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 08/10/2008
Reeditado em 13/09/2013
Código do texto: T1217364
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.