Celebrações

CELEBRAÇÕES

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 08.10.2008)

Como vivemos em um país adiantado - e não vai, aqui, o menor acento de ironia no adjetivo -, pudemos conhecer o resultado das eleições em todo o território nacional três horas, apenas, depois de "depositado" o derradeiro voto, às 17 horas do último domingo. O que faltava apurar não dava, no geral, para eliminar a diferença de votos já computados para os concorrentes aos cargos de prefeito e vereador nos 5.563 municípios brasileiros.

Para os céticos empedernidos, bastou aguardar apenas uma horinha mais e, às nove da noite (bem cedo ainda, pois), já dispunham de números totais, insofismáveis e indiscutíveis.

A facilidade de votação com a urna eletrônica e a rapidez de apuração dos seus resultados eliminam radicalmente o perigo dos longos e cansativos processos de contagem manual de votos, eventos que se estendiam por dias e dias, semanas afora, possibilitando que, na calada de noites sem fim, votos fossem trocados, queimados, adulterados, jogados no lixo sem o menor pudor. Contam-se episódios de votos em papel, autenticados pelo juiz e pelos mesários, depositados pelos eleitores, que amanheciam largados nos brejos ao lado dos ginásios de esporte onde se instalavam as mesas apuradoras. Nestas condições, um pedido de recontagem dos votos apenas fazia confirmar a fraude, o crime contra a vontade popular.

Diz-se até de um grande país em que a eleição para a presidência da República foi decidida pela Secretária de Justiça do estado governado pelo irmão do candidato declarado vencedor: como as urnas alimentavam-se de cartões perfurados e muitos picotes foram se perdendo com o manuseio, a eleição ficou sob suspeição (está assim até hoje, e assim ficará na História) e a recontagem tornou-se inviável. Com tal desculpa, a Secretária do irmão estadual "escolheu" quem seria o próximo presidente nacional...

No entanto, cruzando a cidade pelas 21 horas de domingo, percorrendo a Avenida Beira-Mar de ponta a ponta, não vi uma bandeira, uma passeata, um foguetório, um buzinaço, uma só manifestação de regozijo pelo veredicto das urnas: nem dos dois candidatos (e seus partidários, e militantes, e simpatizantes, e eleitores) que disputarão a Prefeitura em segundo turno, nem dos sete edis reeleitos, sequer dos nove novos vereadores. Estarão todos eles envergonhando-se (merecidamente? por conta do que sucederá no futuro?) das suas conquistas?

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Tempo de Eduardo Dias – Tragédia em 4 tempos", teatro, este em co-autoria com Francisco José Pereira)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 08/10/2008
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