O REAL NOS CONTOS DE FADA

A Literatura Infantil constitui-se como gênero durante o século XVII, época, em que as mudanças na estrutura da sociedade, desencadearam repercussões no âmbito artístico.

O aparecimento da Literatura Infantil possui características próprias, pois, decorre da ascensão da família burguesa, do novo "status" concedido à infância na sociedade, e também, da reorganização da escola. Sua emergência deveu-se, antes de tudo, à sua associação, com a Pedagogia, já que as histórias eram elaboradas para se converterem em instrumento dela.

É a partir do século XVIII, que a criança passa a ser considerado um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria distanciar-se da vida dos mais velhos, e receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta.

O historiador francês Ariès (1981), com enfoque na história das mentalidades, principalmente no que diz respeito à condição e natureza histórica e social do ser criança. Este autor analisou, como; se constituiu o conceito de infância a partir da análise de obras de arte e literatura, onde eram retratados hábitos, vestuário e algumas situações da vida social.

Segundo Ariès (1981, p.50), até o século XII, a arte medieval desconhecia ou não retratava a infância, não existia nenhum sentimento diferenciado do ser criança. Ela era tratada sem distinção do mundo adulto, sendo representada em obras de arte como um homem ou mulher em miniatura.

As crenças como; a de que o indivíduo saía da terra através da concepção e a ela voltava através de sua morte, apontava que a consciência de vida e corpo, muito diferente da que temos hoje, era estritamente ligada à preservação da linhagem, por isso, o corpo não era só do indivíduo, mas também dos outros; daí ser possível afirmar que a criança era pública.

Ariés (1981, p.246) descreve:

"O movimento da vida coletiva arrastava numa mesma torrente as idades e as condições sociais, sem deixar a ninguém o tempo da solidão e da intimidade. Nessas existências densas e coletivas, não havia lugar para um setor privado. A família cumpria uma função – assegurava a transmissão da vida, dos bens e dos nomes – mas não penetrava muito longe da sensibilidade. Os mitos, como o do amor cortês (ou precioso), desprezavam o casamento, enquanto as realidades como a aprendizagem das crianças afrouxavam o laço afetivo entre pais e filhos".

No século XVII, novas relações entre indivíduo e grupo se estabelecem, o indivíduo torna-se mais independente da família, seu corpo passa a ser somente seu, recebendo atenção para evitar a doença e a dor; sua perpetuação é o corpo de seu filho, ou seja, surge a individualidade do sujeito. A criança recebe a atenção do pai e da mãe, passando a ser uma importante preocupação, já que a consciência da vida assume sentido circular e não mais linear. A família passa a desfrutar de um espaço mais privado e íntimo.

Contos de fada

Os contos de fadas surgiram bem antes da Idade Média, e eram passados dos avôs para os netos, através da tradição oral, desde os tempos mais remotos. É impossível datar a matriz primordial desses contos, mas as origens de alguns deles foram rastreadas até os primeiros séculos de nossa era. Com isso, chegou-se à conclusão, de que histórias como "Branca de Neve" e "Cinderela" derivam de contos orientais, cujas versões mais antigas, provenientes da Índia e da China, foram trazidas pelos árabes para a Europa, aí se mesclando ao folclore local.

Os contos de fadas caracterizam-se pela presença do elemento "fada". Etimologicamente, a palavra fada vem do latim fatum (destino, fatalidade, oráculo). Tornaram-se conhecidas como seres fantásticos ou imaginários, de grande beleza, que se apresentavam sob forma de mulher. Dotadas de virtudes e poderes sobrenaturais, interferem na vida dos homens, para auxiliá-los em situações-limite, quando já nenhuma solução natural seria possível.

Podem, ainda, encarnar o Mal, e apresentarem-se como o avesso da imagem anterior, isto é, como bruxas. Vulgarmente, se diz que fada e bruxa são formas simbólicas da eterna dualidade da mulher, ou da condição feminina.

O enredo básico dos contos de fadas expressa os obstáculos, ou provas, que precisam ser vencidas, como um verdadeiro ritual iniciático, para que o herói alcance sua auto-realização existencial, seja pelo encontro de seu verdadeiro "eu", seja pelo encontro da princesa, que encarna o ideal a ser alcançado.

Charles Perrault_ Com quase 70 anos, publicou um livro de contos conhecido, na época, como "contos de velha", "contos da cegonha" ou "contos da mamãe gansa", sendo o último o título por que ficou conhecida a obra em todo o mundo. A primeira edição, de onze de janeiro de 1697, recebeu o nome de "Histórias ou contos do tempo passado com moralidades", que remete à famosa moral da história presente ao final de cada texto.

A ilustração, a qual acompanha o manuscrito de Perrault é mais ousada, pois o lobo não usa disfarce e está em cima da menina, com uma pata de cada lado. No fim do conto, a menina é comida por ele, sem salvação nem redenção. A perda da virgindade encontra sinônimo na expressão popular, na época do autor era escrito e falado:- ela viu o lobo, incorporada na arte e na cultura dos últimos séculos com a mesma conotação sexual. Perrault escreveu a história com fins didáticos, para alertar as meninas, jovens virgens e mesmo as não-tão-virgens que brilhavam na corte do Rei Sol. Com isso, funda a literatura infantil 'clássica', não-tão-infantil assim! As alegorias de seus contos representam as preocupações políticas e sexuais da França no século XVII. Vestir sua heroína com um capuz vermelho - a cor das prostitutas, do escândalo e do sangue - simboliza o pecado da menina e a previsão de seu destino.

Ao passar da luminosidade do Rei Sol para a penumbra da era vitoriana, isto é, das mãos de Perrault para as dos Irmãos Grimm, Chapéuzinho Vermelho torna-se mais discreta, embora continue ainda bobinha, necessitando, por esse motivo, da figura paterna, o caçador, para salvá-la do lobo. A capa com o capuz vermelho, na edição de 1847 dos Grimm, transforma-se em um chapéu pequeno à maneira das mulheres da aristocracia e da classe média dos séculos XVI e XVII. A finalidade é a de manter seus longos cabelos presos e ocultos, por serem considerado um dos mais perigosos símbolos de sedução. Assim, devidamente resguardada e reprimida, a heroína terá, necessariamente, seu futuro assegurado: o final feliz funciona como o selo de competência da proteção masculina.

Os antropólogos e historiadores, que os analisam segundo o contexto em que foram produzidos e veiculados. Dessa forma, o abandono de João e Maria na floresta seria um costume dos camponeses em períodos de fome prolongada; o Ogro devorador de crianças estaria associado à figura (real) de Gilles de Rais (um Serial Killer da Idade Média). Gostava principalmente de matar meninos, que eram sodomizados e depois decapitados. Também se divertia observando seus servos "destrinchando" os corpos dos meninos e masturbava-se sobre suas entranhas.

Pelo fato de ser barão, ninguém associou o desaparecimento de meninos nas redondezas de seu castelo com a sua pessoa. Era patrono das artes, além de praticar magia negra e alquimia. Seu reinado de terror só terminou quando o Duque da Bretanha encontrou restos mortais mutilados de 50 meninos em seu castelo. Ele confessou ter assassinado 140 garotos, mas acredita-se que este número deve ser maior que 300. Em 1440, Gilles foi enforcado e queimado, ao mesmo tempo. Seus dois cúmplices e servos também foram queimados vivos.