Deixa eu te contar o que eu penso dessa vida... (Maria Mal-Amada)
Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada
de Lorena de Macedo
Deixa eu desabafar coisinhas irritantes que pipocam a ponta da língua. Contar que o dia fica mais vivo quando deixo de pensar nas diversas opções cinematográficas que crio na minha mente para de encontrar. Cruzar o caminho óbvio do cotidiano sem graça às vezes é melhor do que pular do precipício e não ter o super-homem para te salvar bem no meio da queda.
Não tenho capa nem cara de heroína. Não tenho a graça da garota de praia, da menina perfeitinha do 13º andar. Será que as meninas imaculadas que faziam sucesso no colegial enquanto eu usava aparelho e calças ridiculamente largas, ainda são imaculadas? Ainda fazem sucesso?
Certezas que não posso comprar são dúvidas que eu empresto para quem quiser duvidar de uma coisa qualquer. Bonitinha, com uma loucurinha inofensiva e um rostinho redondo e bochechudo. Faço drama e me descabelo com a falta de calor, mas é só tomar um café bem doce que já me sinto mais quente. Baratinha e sem-vergonha, vendida por um café.
A fulana aqui de dentro me faz cada pergunta... Hoje mesmo quis saber o porquê da minha ingenuidade. Respondi que não sou ingênua e que às vezes tento ser otimista só para variar minhas expressões faciais. Uma gargalhada tão grande saiu de dentro de mim que cheguei a me sentir feliz por ter feito alguém rir, mesmo que esse alguém seja uma fulana folgada e atrevida. Depois do riso, se calou. Mas continua formigando a ponta da língua com frases desconexas.
Não gosto de mudanças. Não gosto da idéia de que idéia não terá mais acento. Isso tudo não me parece muito confiável. Já parou pra pensar que um herói sem acento fica tão mixuruca que nem parece super? Coisas da língua e seus formigamentos...
Outro dia pensei em te contar o que eu fiz da minha tarde de folga. Dizer que não há momentos vivos em tardes chuvosas regadas a café e amanteigados. A louquinha inofensiva pensa e logo existe. Pensei em te dizer...
O que eu penso dessa vida não importa mais do que a moda das mulheres-fruta. Ainda bem que não sou uma fruta. Gosto mesmo é de ser mulher. Gosto de todas as implicações que meu sexo pode atrair. Gosto de contar o que penso da vida que escolhi pra mim. Gosto de não gostar de quase nada e ainda sim me sentir normalzinha e aceitável numa roda de meninas padronizadas.
Posso ser padronizada se quiser. Posso colocar a mesma roupinha caça-homem e o mesmo sorriso sei que você me quer só para me sentir mais normal. Comprar por comprar e sentir uma satisfação estupidamente capitalista. Posso, e a escolha de se fazer o que quer me dá nos nervos.
O que eu penso dessa vida é muito chato e variável. Penso que o sol nasce pra todos e não há nada de errado em não querer senti-lo queimando na minha pele. Acredito na existência de outros mundos habitados por formas de vida que nem imagino como são. Nesse caso, tem sempre um idiota qualquer que questiona a existência de outros seres além de nós. UNIVERSO: Acho que a própria palavra já é suficiente para refutar tanta imbecilidade.
Queria te contar que sonhei com a loucura que existe dentro de mim. Dizer que Machado tinha toda razão. Dizer que a opinião alheia me interessa na medida de meus próprios interesses, mas que eu acabo me traindo por conta dos seus interesses.
O que eu penso dessa vida? Nem sei mais o que eu queria dizer... Posso me valer do só sei que nada sei? É tão mais fácil e menos doloroso não precisar se justificar. A fulana continua calada, mas eu sei que está rindo por dentro. Só não sei se estando rindo dentro de mim ou dentro dela.
Maria