Cutículas

Hoje eu estive com o meu gerente do banco. Fui pedir um empréstimo para comprar umas coisas aí e ele me disse que eu não faço parte do perfil que o governo acredita. Daí, eu dei meia volta e fui embora, mas antes eu observei as unhas dele.

Em plena segunda-feira um homem tinha unhas perfeitas, sem cutículas e com uma base suave. Nenhuma craca. Olhei pra minha mão e recolhi as garras...

Há gente que faz as unhas durante a semana; outras, no fim de semana; outras, jamais. Cuido que as minhas sejam feitas todo sábado, ou sexta, ou assim que o casco endurecer, mas aquele homem tinha mãos de fada. Sacanagem...

Como é que eu podia ter um financiamento se eu tinha unhas mal feitas?... Atualmente não se pode confiar em alguém com mais de 2mm de camada de queratina nas mãos...

Não consigo entender como em certos países não fazem unhas. Não é bem pela cutícula ou o esmalte, mas pelo que vai embaixo do casco. Embaixo da unha a gente guarda populações de bichinhos que poderiam habitar o mundo, se não fossem microscópicos.

Adoro unhas longas... Numa mulher é muito sensual. Além de ser belo, quando bem feitas, atraem e são gostosas pra cafuné. As minhas são curtinhas. Quanto mais curtas, mais práticas.

Barbye, minha cabeleireira, sempre me olha de soslaio quando eu passo batida em frente ao salão. Só apareço lá para pintar as raízes brancas da minha cabeça e cortar a juba. Se não fosse isso, jamais ia perder tempo num salão.

Odeio salões! Ô coisa chata isso! E me dá um sono desgraçado quando coçam a nossa cabeça no lavabo. O que mais odeio é quando puxam minhas raízes, como uma tortura chinesa. Eu reclamo e dizem que estou com algum problema no couro cabeludo!

Já viram como nos colocam em posição antianatômica para lavar a cabeça? O que é aquilo, gente?... Sentar com a cabeça pra baixo, com a nuca vertida pra trás, sentada numa cadeira, alguém te puxando os cabelos enquanto seu coccige é dobrado, isso é coisa pra faquir!

Depois aliviam a barra fazendo massagens... Também odeio... Eu fico hipnotizada. A única coisa que me impede de dormir é o som no DVD daquela cantora com madeixas esvoaçantes, que até hoje não sei nem o nome, nem sei é branca ou negra.

Aí nos colocam num secador morno e nos dão uma revista. Como é que eu posso ler aquelas letras se não posso ficar de óculos?! Ainda faço graça e finjo estar lendo, apesar de ter que ficar sentada a 90 graus, enquanto alguém passa uma química fedorenta na gente...

Aí vêm as notícias:

“A cantora tal casou com o artista tal. Fulaninho de tal viajou para o lugar tal. Madame tal mostra seu corpo escultural na piscina do hotel tal”...

Cacete... Só consigo ver as manchetes... O resto eu tento, tento, mas as letras se confundem e aquele turbo dos infernos faz piorar a coisa.

Aí, saio mais ou menos recauchutada, deixo um salário mínimo na recepção e me dão uma bala de hortelã pra aliviar meu sorriso amarelo.

Josualdo não cai nessa. Ele não iria entrar jamais num salão de beleza. Sou obrigada a supervisionar seus cabelos e as unhas. Quando ficam grandes demais, sou acionada para começar a tortura medieval. E isso acontece pelo menos 1 vez ao mês.

No cabelo ele nem liga, porque não dói – e se eu fizer barbeiragem, não há problema, pois o cabelo cresce. Mas a “sessão unha” é um terror.

Já viram como um homem grita? Eles são uns cagões:

- “Pare! Pelo amor de Deus pare! Isso tá doendo demais!”.

A gente tenta tirar aquele meio metro de cutícula e unha sedimentados eternamente, como se fossem amianto, depois de horas com o pé na água, e eles gritam como se estivessem parindo.

Os vizinhos devem achar que eu pratico sadomasoquismo. Não é possível aquilo... Josualdo geme, pede arrego, chora e depois briga comigo. Os sons dos gritos ecoam na rua, só porque eu quero tirar umas peles do canto do dedo!

- “Pera! Só mais um poquinho! To acabando!”.

- “Não” Chega! Tá doendo demais!”.

Após horas de contorcionismo e cara feia, eu consigo fazer milagres em um pé. Jô olha para baixo e diz:

- “Até que ficou bonitinho... Mas doeu...”.

Eu queria saber se o gerente da minha conta fez a mesma vergonha. Ele me pareceu muito distinto para isso... Se bem que eu vi uns bifes no dedão e no mindinho.

Deve ter doído... E tomara que tenha, pois o cara não teve a menor pena de me dizer “Não!”.

Beijos da Menô!



Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 07/10/2008
Reeditado em 12/10/2009
Código do texto: T1215246
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