A Casa

A CASA
Estou me encantando pelo apartamento novo, devagar... Ontem à noite, deitada olhando pro teto feio que vou deixar, de pintura grosseira e velha, pregos nas paredes, dois pontos de luz sem luminárias, a zoeira lá fora da Rua Taylor, pessoas mal educadas falando alto, gritando inculturalmente, cachorros mal tratados ladrando realmente, mal tratados, ladrando sem parar, senti um fundo indefinido perturbador. Pensei no apartamento novo recém pintado e... Não sei...
Agora em que escrevo, e que meu filho resolveu tudo na Penha com a imobiliária, cheio de cláusulas, negócio fechado, a mudança vai ser feita no sábado, e hoje é quarta, sinto maior perturbação. 
       Começo a me indagar... O quê?
Como definir o que estou sentindo?
Quê?
       Uma cortina de meio que dor começa a baixar, devagar, quase não percebido. Difícil detectar o sentimento, mas é perturbador. Vou mais fundo... Quero entender.
O proprietário hostil, babaca, nunca me pesou. Ele é um idiota, mas não me atinge nem atingiu, não passa de uma mosca inútil. Ele não pesa nada, porque eu tenho um olhar subjetivo e vi as coisas belas e boas deste lugar.
A feira...
As roupas lavadas penduradas na janela, expondo o capricho das donas de casa, gente pobre, morando em conjugados micros. Plantas nas janelas, um anseio de vida boa em cada alma.
O céu daqui é bonito.
      Um soluço... É dor o que estou sentindo. Foram dois anos felizes aqui neste apartamento conjugado só com o essencial. Cada dia muito bom. Privacidade. Segurança. Amigos. Alegria na rua. Bom atendimento.
Sim, reconheço, estou triste sim, é saudade daqui. Foram dois anos de felicidade no meu Rio amigo. Neste cantinho do Rio. Conheço cada canto das casas da rua, os sons não me incomodam.
Estou ficando apurada na sensibilidade. A sabedoria adquirida e cultivada transforma tudo. Quase nada mais é feio.
A pobreza tem sua beleza, porque ela é simples. E simples é o mais alto grau de sabedoria. É bonito.
      É gente... Estou sentindo dor no fundo do peito. É saudade que vou sentir, é dor antecipada.
Mesmo com o horror do ruído da prostituta, no prédio do outro lado, fingindo prazer a cada estocada do membro dos homens, mesmo com a “notificação” do bobo proprietário descortês me pegando de surpresa, tais desconfortos foram irrisórios.
      Eu é que aqui vali. Aqui eu fui feliz todos os dias. Um lugar abençoado. Foi uma solidão boa. Sairei com saudades.
Como já sou muita desprendida dos bens materiais não me incomodou o lixo da rua, os ruídos incultos, a pobreza do lugar.
Porque meus olhos vêem o bonito em cada um, em cada olhar, em cada andar, em cada fala. Eu vejo o humano e a história de cada coisa. Não só vi, convivi com tudo isso. O sentimento tem cor. As sombras têm a sua beleza. A miséria do meu povo tem a sua beleza. A bondade das pessoas simples é de muita beleza e delicadeza. 
       Eu me irmanei com tudo isso.
O lado humano brasileiro me tocou mais do que a sujeira e desconforto do pobre, do modesto.
Estou sentindo saudade, parece que deixo amigos para trás.
Mesmo sendo solitária com meus escritos e meu computador, e meus bordados.

     Eu vi a beleza deles e a sua feiúra

Quinta-feira, 28 de agosto de 2008
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Palavras: 554

Maria Luiza Martins