Lei de Gérson
O Brasil é o país das leis! Temos leis para tudo. Algumas, muito boas. Outras, nem tanto. Algumas leis pegam. Outras, por melhor que se propõe, não pegam de jeito nenhum. Por exemplo, estamos tentando fazer a lei seca pegar. Todas as pessoas de bom-senso sabem que a lei seca é de importância fundamental para diminuir as tragédias nas estradas brasileiras. Mas, será que todos estão dispostos a ajudar? Será que vai pegar mesmo? Vamos ficar na torcida. Por outro lado, existem aquelas que nem leis de verdade são, mas que pegam com grande propriedade. Como se diz no nordeste: “entram mais fácil do que faca em melancia!”. São as chamadas leis do jeitinho brasileiro. Entre tantas, podemos citar a tão conhecida Lei de Gérson.
Há muito tempo atrás, um famoso jogador de futebol, tri-campeão mundial pela Seleção Brasileira, um de nossos grandes “heróis”, amado pelo povo brasileiro, chamado Gérson, resolveu fazer um comercial de TV, onde dizia: “eu gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também!” Gérson! Gérson! Ah, Gérson! Você perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado! Sua fama e seu carisma fizeram com que esta maldita lei, logo apelidada de Lei de Gérson, se alastrasse por todo o país. E, após tantos anos, apesar de você, Gérson, está tão esquecido, a sua lei continua mais viva do que nunca, levando o seu nome para as situações mais desagradáveis.
Como disse acima, o núcleo desta lei está na infeliz frase: “levar vantagem em tudo”. Ela é o resumo, a essência do jeitinho brasileiro, incorporado no bom malandro, no anti-herói, no espertinho, nos “augustinhos da vida”. Trata-se de um estigma tão negativo, que faz de nós, os brasileiros, muito mal vistos mundo afora. Você já ouviu falar em jeitinho alemão? Não! Jeitinho alemão não existe! Mas eles são a terceira maior economia do mundo. Com certeza, esta forma de criatividade às avessas é um dos grandes motivos de nosso atraso econômico, político e social. O jeitinho brasileiro faz o cidadão honesto desistir pelo caminho...
Eu não estou falando aqui somente dos grandes escândalos de corrupção e das quadrilhas que dilaceram o patrimônio público. Para mim, elas são apenas as grandes conseqüências. Eu falo mesmo é da Lei de Gérson presente no nosso dia-a-dia. Eu falo é das pequenas atitudes desonestas que todos nós praticamos em favor do “levar vantagem em tudo”. Eu poderia citar uma centena delas: é o sujeito que deixa o carro na fila dupla. É o engraçadinho que ultrapassa pelo acostamento. É o espertinho que deixa alguém marcando o seu lugar na fila. Por aí vai. São incontáveis os pequenos artigos da Lei de Gérson. Mas o pior mesmo, o que me deixa mais triste, é que todos nós achamos tudo isso tão normal. Infelizes daqueles que não a praticam...
Infelizes daqueles que não a praticam. Que triste a nossa realidade. Vivemos num estranho Brasil da inversão de valores. Os espertinhos, os golpistas, os felizes praticantes da lei do “levar vantagem em tudo” são os corretos, são as estrelas, são os felizes vencedores. Já os honestos, os éticos, aqueles que não praticam a Lei de Gérson são os errados, os mal-humorados, os infelizes. Ai de nós, os honestos, quando resolvemos reclamar diante de uma situação clara de prática da Lei de Gérson. Somos constrangidos por todos. Na vida cotidiana, é normal ignorar as leis em favor das amizades. Como diz o ditado: “aos inimigos, a lei; aos amigos, tudo.” Mas como, também, dizia o saudoso Renato Russo: “que país é este?”
Este país tem solução? Tem sim! A solução está na educação e, principalmente, no bom exemplo. O bom exemplo é melhor do que qualquer discurso! Uma criança que estuda muito, que se esforça pra passar de ano, vê do seu lado, um amiguinho que não estuda e fica na malandragem o ano inteiro, também passar de ano. Será que esta criança vai continuar tão dedicada? Da mesma forma, um adolescente que vê um jovem que após batalhar numa faculdade, consegue um emprego honesto para ganhar apenas mil Reais por mês. Por outro lado, vê outro jovem que não batalhou nada, entrar para a política, através de um esquema de apadrinhamento, ficar milionário rapidamente. Será que este jovem vai querer seguir o caminho da honestidade? O Brasil só vai mudar quando passar a punir severamente os desonestos e premiar os honestos, para que as nossas crianças vejam que a Lei de Gérson não compensa e possam fazer deste um novo Brasil, com honestidade, trabalho e perseverança. Vamos gritar bem alto e em todos os lugares: Lei de Gérson aqui não! Lei de Gérson nunca mais!