Zé Marcolino – O poeta de Sumé.
O Nordeste é conhecido por suas diversas facetas. A mais triste representada pela miséria e pela seca. E a mais alegre representada pela festividade e hospitalidade de sua gente. É também a terra conhecida pelos seus poetas e cantadores. Um desses inúmeros poetas, ainda pouco conhecido e reconhecido no “sul maravilha” é José Marcolino Alves, imortalizado como Zé Marcolino. Nascido no sertão paraibano de Sumé, desde cedo se encantou pela música e pela poesia. Costumava ser convidado para animar bailes e festas em sua cidade natal cantando obras de sua autoria ou de outros artistas, especialmente do mestre Luiz Gonzaga. Trabalhou como carpinteiro, barbeiro, e vaqueiro, entre outras atividades. Enquanto isso fazia suas composições e sonhava um dia poder mostrá-las para Luiz Gonzaga para que ele as gravasse. Escreveu cartas para o Rei do Baião e finalmente, em 1961, teve a oportunidade de conhecê-lo na cidade de Sumé. Mostrou-lhe então diversas obras que tinha, e Gonzaga por elas se interessou e convidou Zé Marcolino para ir com ele para o Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa produziu com Luiz Gonzaga o LP “Ô veio macho” no qual foram incluídas seis parcerias dos dois. Entre elas está “Matuto aperreado” na qual o poeta relata as agruras do sertanejo nordestino nas lidas com a cidade grande “Eu vou/volto já/Eu vou me embora/vou voltar pro meu lugar/Fico doido com tanta fala de gente/ E a zoada de automóvel a me assustar/Se na rua vou fazer um cruzamento/Tenho medo eu não posso atravessar/Desse jeito eu sou franco em dizer/Aqui eu não posso ficar/Eu vou me embora vou volta pro meu lugar.”
A obra de Zé Marcolino é prenhe dessa constatação da universalidade do lugar onde nasceu e formou sua visão de mundo, o “Sertão de aço”, nome de outra composição presente no mesmo disco: “Se você visse como é o meu sertão/Aí você diria que eu falo com razão” Depois das agruras da seca o sertanejo não se desespera e espera que com a chuva a safra de algodão seja farta e em festa possa comemorar o fim do tempo ruiu “No outro dia cuida da obrigação/Digo com satisfação/Que meu sertão é de aço”. O sertanejo, antes de tudo um forte, nas palavras de Euclides da Cunha, foi forjado nesse sertão de aço, onde o “Pássaro Carão” ecoa seu canto anunciando a chuva no sertão, esperança perene do sertanejo de que a terra amada e sofrida possa enfim florescer na plenitude de suas promessas fazendo com que ele possa colocar em ação seus planos adiados pela seca: “Pássaro carão cantou/Anum chorou também/A chuva vem cair no meu sertão/(...) O nosso plano de além/é de casar/Se Deus quiser agora/Faço um ranchinho/Pra nós juntinho meu bem/Nele mora”.
Com sua voz e sua sanfona, Luiz Gonzaga foi o grande intérprete da essência do sertão nordestino, sua rusticidade, sua aspereza, suas força e vigor. E teve a acompanhá-lo ao longo da carreira, poetas que souberam colocar em palavras a força mostrada por sua musicalidade como foram Humberto Teixeira e Zé Dantas. Essa estrada seria também a mesma trilhada por Zé Marcolino que expressou em versos marcantes a agudeza de sua terra. Em 1964, no LP “A triste partida” está presente a toada “Cacimba nova”, que evoca a vida de vaqueiro e sua saudade de uma antiga fazenda que entrou em decadência. Seus versos nessa toada casam perfeitos com os toques da sanfona de Luiz Gonzaga: “Fazenda Cacimba Nova foi bonito teu passado/(...)Um carro velho esquecido/ Pelo sol todo encardido/ Quem te ver sai suspirando/Lamentando cada instante/Vendo o tempo devorando teu passado brilhante.” E as imagens se sucedem, o boi que afia os chifre e provoca medo ao vaqueiro na defesa do rebanho. O vaqueiro que passando pela velha fazenda solta um aboio de saudade. Mas o poeta não se fixa no lamentar saudoso do tempo que foi e logo em seguida saúda a evolução da vida no xote “Marimbondo”: “O marimbondo vindo/ Penerando a asa/Pra entrar em nossa casa/ Chega chuva no sertão/Nós mata a fome da mulher e nosso filho/ Assa coco e assa mio na fogueira de São João.” È a vida que se renova no ritmo da natureza levando o homem a fazer festa reverenciando a terra e suas dádivas.
Os versos de Marcolino evocam a terra nordestina e transmitem o cheiro dessa terra, seus costumes, suas crenças, a maneira do sertanejo olhar e entender a natureza, calcular a vinda da chuva e o florescer da lavoura. E é nessa intricada relação homem-natureza que seus versos traduzem a alegria do viver. A poética de Zé Marcolino está impregnada de nordestinidade. São as festas de São João, são causos de vaqueiros, são crenças, são esperanças. Seus versos tem a força da terra e do homem e exaltam a relação que se estabelece entre eles. Entre o sertão de aço e o sertanejo bravo. O “Caboclo nordestino”, cantado numa obra em que ele fez os versos e a melodia, e Luiz Gonzaga gravou: “Caboclo humilde roceiro/ Disposto trabalhador/ No remexer da sanfona escuta este cantador/ Que no baião fala ao mundo teu grandioso valor/ E tu caboclo que vives com a enxada na mão/ (...) Aqui nessa vida humana ninguém é melhor do que tu/ Escuta esta homenagem de um cabra do Pajeú.”
Ainda no mesmo disco “A triste partida” de Luiz Gonzaga, está presente aquele que ficaria sendo o maior sucesso de Zé Marcolino, o xote “Sala de reboco”. “Todo tempo quanto houver pra mim é pouco/ Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco/ Enquanto o fole tá fungando tá gemendo/ Vou dançando e vou dizendo/ Meu sofrê pra ela só/ E ninguém nota que eu tô lhe conversando/ E nosso amor vai aumentando e pra que coisa mais mió.”
Quando no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 o Brasil conheceu uma nova onda do forró com o aparecimento de inúmeros artistas, trios e grupos dedicados ao estilo consagrado por Luiz Gonzaga, desde os mais tradicionais, cultivadores do chamado “forró pé-de-serra”, até os renovadores do “forró eletrificado” e os grupos do chamado “forró universitário”, todos foram unânimes em eleger “Sala de reboco” como uma das mais representativas composições do forró, o que a fez ser regravada por vários artistas e mesmo a dar nome a projetos de apresentação do forró e da música nordestina.
A lira de Zé Marcolino se calou precocemente, aos 57 anos de idade, em 1987 quando a trajetória do poeta foi cortada por um acidente de carro. Foi uma forma irônica de morrer para aquele que em sua obra cantou e exaltou o sertão e a natureza, e colocou em versos sua dificuldade em lidar com as duras e difíceis coisas da cidade grande e cantou “Se Deus quiser/ Vou me embora pro sertão/ Pois a saudade me aperta o coração.”, deixando claro que lá era o seu lugar no mundo, onde sua alma se alargava e se alegrava com os pássaros e paisagens. Certa feita, perguntado qual a profissão que mais lhe dera rendimentos, não citou a de compositor, mas sim a de vaqueiro. Não sabemos ao certo se houve nessa afirmação qualquer tipo de comparação monetária, mas é possível aferir que sendo o poeta um sonhador e visionário, que ele tenha dito isso por saber que como vaqueiro estava mais perto da natureza e consequentemente, da matéria prima com a qual alimentava seus versos.
Quisemos aqui lembrar e exaltar o poeta Zé Marcolino cuja morte fará vinte anos no ano que vem. Homem ligado à terra, vaqueiro e poeta, sonhou ter seus versos cantados e gravados por Luiz Gonzaga. Realizou seu sonho e cantou ao lado do Rei do Baião contribuindo com algumas das mais belas canções que o mestre da sanfona gravou e certamente um dos maiores sucessos que foi “Sala de reboco” e quando em algum canto ecoarem os versos “Todo tempo quanto houver pra mim é pouco/ Pra dançar com meu benzinho/ Numa sala de reboco.”, certamente o poeta estará sendo homenageado na alegria daqueles que estiverem dançando o forró.
Paulo Luna