Francisco,
Cimabue e Giotto
Hoje, três de outubro, mal o sol furara a linha do horizonte, fui acordado por um pássaro madrugador. Por alguns segundos, deixei-meembalar pelo seu canto alegre e delicado. Era um pintassilgo. Escutando o pintassigo, lembrei-me de São Francisco de Assis: na tarde do dia 3 de outubro de 1226, cercado pelo carinho dos seus confrades, e ouvindo o gorjeio de pássaro chamado cotovia, ele morreu.Tinha, apenas, 45 anos. Não entendo por que a Igreja festeja São Francisco no dia 4, dia do seu sepultamento, e não no dia 3 de outubro, dia de sua morte.
Antes de mais algumas linhas sobre frei Francisco de Assis, quero dizer que boa parte do que de bom eu aprendi na vida, devo aos franciscanos. Em outros escritos, contei que durante mais de seis anos estudei em dois colégios seráficos. Primeiro em Canindé, no Ceará; e depois no seminário maior, em Ipuarana, na serra da Borborema, em Campina Grande, na Paraíba, hoje desativado.
Falando sobre Canindé, tempos atrás, escrevi uma crônica que pode ser encontrada neste site. Canindé é uma cidade modesta, mas abriga duas maravilhas: o maior templo franciscano da América Latina e uma estátua de São Francisco (feia, por sinal), considerado o maior monumento religioso do mundo. Em romaria, Canindé só perde para Assis, na Itália!
Venho repetindo, que escrever sobre Francisco de Assis é fácil e gratificante. Ele, com certeza, é uma inesgotável fonte de inspiração. Não foi por acaso que extraordinários escritores laicos - Tristão de Athayde, Josué Montello, Afrânio Peixoto, Agripino Grieco, Vinícius de Moraes, Nikos Kazantzaks, Dante Alighieri - dedicaram-lhe crônicas amáveis e artigos curiosos. Aumenta, consideravelmente, o número de livros contando a vida do santo seráfico. No momento, estou lendo, ao mesmo tempo, Francisco de Assis, o Santo Relutante, de Donald Spoto e Na Estrada com São Francisco - Uma viagem pela Úmbria e pela Toscana, de Linda Bird Francke.
No primeiro instante - ainda pensando no passarim madrugador -, desejei escrever sobre Francisco e os pássaros. Andei até consultando textos de São Boaventura e de frei Tomás Celano, contemporâneos do Taumaturgo assisense, e, talvez, seus mais autorizados biógrafos.
Podia, por exemplo, relembrar pequeninas e comoventes historias dos papos que Francisco levava com os pássaros pousados sobre seus ombros, nas suas longas caminhadas pelos campos da encantadora Úmbria.
Ora conversava com as andorinhas, ora parolava com as cotovias estimulando-as a persistirem na gratidão ao Criador. E lhes repetia que Deus lhes houvera dado "penas para vestir; asas para voar"; e lhe permitira "morar na pureza do ar".
Mudei, entretanto, de idéia ao perceber que, lembrando-os, podia prestar uma singela homenagem aos que costumo chamar de os pintores franciscanos: Cimabue e Giotto.
É verdade que outros mestres do pincel, todos de primeira grandeza, também legaram à humanidade quadros franciscanos de inconfundível beleza e valor. Dou dois exemplos: El Greco, e o seu São Francisco em Oração; e Bartolomé Murilo, e o seu conhecidíssimo São Francisco abraçando Cristo na cruz.
Contudo, Cimabue e Giotto, pelo menos para mim, são os maiores e os melhores pintores seráficos.
Sem ter acesso à obra de Giorgio Vasari, pouco pude colher sobre a vida de Cimabue e Giotto. Entendo, porém, que os afrescos deixados por esses dois notáveis artistas toscanos são, sem dúvida, o suficiente para eternizar-lhes o perfil e enriquecer-lhes a biografia.
Cimabue. Afirma-se, que dos seus pincéis teria saído o mais fiel retrato de São Francisco. Ele aparece ilustrando minha crônica. Cenni di Petro Cimabue ( ou Bencivieni de Pepo) nasceu em Florença em 1250 (?) e morreu possivelmente em Pisa, em 1302, aos 62 anos de idade.
Sua arte sofria forte influência bizantina. Mas os estudiosos de sua obra concordam em considerá-lo como "um precursor de novas tendência pictóricas". Quem visitar a Galleria degli Uffizi, o Louvre, a Galeria nacional de Washington e, claro, a Basílica de São Francisco, em Assis, poderá admirar alguns de seus frescos.
Giotto. Nasceu em 1266, em Colle Vespignano, uma pequena cidade perto da bela Florença. Ambrogio ou Angioto de Bondone, nanico, foi pastor antes de ser pintor. Foi descoberto por Cimabue e seu aluno. Com o passar dos anos, superou o mestre. Conta-se, que, certa feita, Gioto pintou uma mosca no nariz de uma figura com tanta habilidade que Cimabue "teria tentado afugentar o inseto várias vezes antes de perceber que se tratava de uma pintura".
Os que estudaram seus quadro afirmam que "é a identificação da figura dos santos como seres humanos de aparência comum" sua principal característica.
Sem ser do ramo, mas, apenas, um admirador de Giotto, passei a concordar com os estudiosos de sua obra, a partir do dia em que, visitando Assis, entrei na Basílica de São Francisco, para rezar no túmulo do santo seráfico, e dei de cara com seus afrescos narrando a vida do Poverello.
E por falar no túmulo de Francisco de Assis, circula por aí uma história, segundo a qual, seus restos mortais estiveram desaparecidos durante mais de 600 anos. Frei Elias, irmão de hábito do santo, "para evitar que suas relíquias se espalhassem pela Europa medieval" escondera o túmulo de Francisco, logo depois de sua morte.
É um assunto polêmico. Até porque há outras versões sobre esse misterioso desaparecimento.
O Vaticano, até onde sei, silencia em torno do assunto, que, por sinal, acaba de ser mui bem explorado por John Sack, em A Conspiração Franciscana, livro que pode ser encontrado nas melhores livrarias do país.
O certo é que, somente por volta de 1818 o Papa Pio IX mandou construir uma cripta em Assis e deu à urna mortuária de Francisco um lugar definitivo. Como disse, estive lá.
Fecho esta crônica sem perder de vista o espírito franciscano que a inspirou. Por isso, confio ao mais brilhante seguidor de Francisco de Assis o encerramento desta página.
Na sua Legenda maior e legenda menor , São Boaventura descreve, assim, os últimos suspiros do santo do milênio: Francisco "quase cego, e já às portas da morte, estendeu as mãos, entrecruzou os braços, como lhe aprazia muitas vezes, e abençoou todos os irmãos, os ausentes como os presentes, pelo poder e no nome do Crucificado".
Isso aconteceu, faz, hoje, 782 anos...
Cimabue e Giotto
Hoje, três de outubro, mal o sol furara a linha do horizonte, fui acordado por um pássaro madrugador. Por alguns segundos, deixei-meembalar pelo seu canto alegre e delicado. Era um pintassilgo. Escutando o pintassigo, lembrei-me de São Francisco de Assis: na tarde do dia 3 de outubro de 1226, cercado pelo carinho dos seus confrades, e ouvindo o gorjeio de pássaro chamado cotovia, ele morreu.Tinha, apenas, 45 anos. Não entendo por que a Igreja festeja São Francisco no dia 4, dia do seu sepultamento, e não no dia 3 de outubro, dia de sua morte.
Antes de mais algumas linhas sobre frei Francisco de Assis, quero dizer que boa parte do que de bom eu aprendi na vida, devo aos franciscanos. Em outros escritos, contei que durante mais de seis anos estudei em dois colégios seráficos. Primeiro em Canindé, no Ceará; e depois no seminário maior, em Ipuarana, na serra da Borborema, em Campina Grande, na Paraíba, hoje desativado.
Falando sobre Canindé, tempos atrás, escrevi uma crônica que pode ser encontrada neste site. Canindé é uma cidade modesta, mas abriga duas maravilhas: o maior templo franciscano da América Latina e uma estátua de São Francisco (feia, por sinal), considerado o maior monumento religioso do mundo. Em romaria, Canindé só perde para Assis, na Itália!
Venho repetindo, que escrever sobre Francisco de Assis é fácil e gratificante. Ele, com certeza, é uma inesgotável fonte de inspiração. Não foi por acaso que extraordinários escritores laicos - Tristão de Athayde, Josué Montello, Afrânio Peixoto, Agripino Grieco, Vinícius de Moraes, Nikos Kazantzaks, Dante Alighieri - dedicaram-lhe crônicas amáveis e artigos curiosos. Aumenta, consideravelmente, o número de livros contando a vida do santo seráfico. No momento, estou lendo, ao mesmo tempo, Francisco de Assis, o Santo Relutante, de Donald Spoto e Na Estrada com São Francisco - Uma viagem pela Úmbria e pela Toscana, de Linda Bird Francke.
No primeiro instante - ainda pensando no passarim madrugador -, desejei escrever sobre Francisco e os pássaros. Andei até consultando textos de São Boaventura e de frei Tomás Celano, contemporâneos do Taumaturgo assisense, e, talvez, seus mais autorizados biógrafos.
Podia, por exemplo, relembrar pequeninas e comoventes historias dos papos que Francisco levava com os pássaros pousados sobre seus ombros, nas suas longas caminhadas pelos campos da encantadora Úmbria.
Ora conversava com as andorinhas, ora parolava com as cotovias estimulando-as a persistirem na gratidão ao Criador. E lhes repetia que Deus lhes houvera dado "penas para vestir; asas para voar"; e lhe permitira "morar na pureza do ar".
Mudei, entretanto, de idéia ao perceber que, lembrando-os, podia prestar uma singela homenagem aos que costumo chamar de os pintores franciscanos: Cimabue e Giotto.
É verdade que outros mestres do pincel, todos de primeira grandeza, também legaram à humanidade quadros franciscanos de inconfundível beleza e valor. Dou dois exemplos: El Greco, e o seu São Francisco em Oração; e Bartolomé Murilo, e o seu conhecidíssimo São Francisco abraçando Cristo na cruz.
Contudo, Cimabue e Giotto, pelo menos para mim, são os maiores e os melhores pintores seráficos.
Sem ter acesso à obra de Giorgio Vasari, pouco pude colher sobre a vida de Cimabue e Giotto. Entendo, porém, que os afrescos deixados por esses dois notáveis artistas toscanos são, sem dúvida, o suficiente para eternizar-lhes o perfil e enriquecer-lhes a biografia.
Cimabue. Afirma-se, que dos seus pincéis teria saído o mais fiel retrato de São Francisco. Ele aparece ilustrando minha crônica. Cenni di Petro Cimabue ( ou Bencivieni de Pepo) nasceu em Florença em 1250 (?) e morreu possivelmente em Pisa, em 1302, aos 62 anos de idade.
Sua arte sofria forte influência bizantina. Mas os estudiosos de sua obra concordam em considerá-lo como "um precursor de novas tendência pictóricas". Quem visitar a Galleria degli Uffizi, o Louvre, a Galeria nacional de Washington e, claro, a Basílica de São Francisco, em Assis, poderá admirar alguns de seus frescos.
Giotto. Nasceu em 1266, em Colle Vespignano, uma pequena cidade perto da bela Florença. Ambrogio ou Angioto de Bondone, nanico, foi pastor antes de ser pintor. Foi descoberto por Cimabue e seu aluno. Com o passar dos anos, superou o mestre. Conta-se, que, certa feita, Gioto pintou uma mosca no nariz de uma figura com tanta habilidade que Cimabue "teria tentado afugentar o inseto várias vezes antes de perceber que se tratava de uma pintura".
Os que estudaram seus quadro afirmam que "é a identificação da figura dos santos como seres humanos de aparência comum" sua principal característica.
Sem ser do ramo, mas, apenas, um admirador de Giotto, passei a concordar com os estudiosos de sua obra, a partir do dia em que, visitando Assis, entrei na Basílica de São Francisco, para rezar no túmulo do santo seráfico, e dei de cara com seus afrescos narrando a vida do Poverello.
E por falar no túmulo de Francisco de Assis, circula por aí uma história, segundo a qual, seus restos mortais estiveram desaparecidos durante mais de 600 anos. Frei Elias, irmão de hábito do santo, "para evitar que suas relíquias se espalhassem pela Europa medieval" escondera o túmulo de Francisco, logo depois de sua morte.
É um assunto polêmico. Até porque há outras versões sobre esse misterioso desaparecimento.
O Vaticano, até onde sei, silencia em torno do assunto, que, por sinal, acaba de ser mui bem explorado por John Sack, em A Conspiração Franciscana, livro que pode ser encontrado nas melhores livrarias do país.
O certo é que, somente por volta de 1818 o Papa Pio IX mandou construir uma cripta em Assis e deu à urna mortuária de Francisco um lugar definitivo. Como disse, estive lá.
Fecho esta crônica sem perder de vista o espírito franciscano que a inspirou. Por isso, confio ao mais brilhante seguidor de Francisco de Assis o encerramento desta página.
Na sua Legenda maior e legenda menor , São Boaventura descreve, assim, os últimos suspiros do santo do milênio: Francisco "quase cego, e já às portas da morte, estendeu as mãos, entrecruzou os braços, como lhe aprazia muitas vezes, e abençoou todos os irmãos, os ausentes como os presentes, pelo poder e no nome do Crucificado".
Isso aconteceu, faz, hoje, 782 anos...