Um grande amor não se acaba assim...
Nem preto, nem branco, meio saúva. No papel timbrado, uma fotografia 3x4, branco e preto, a assinatura eram as digitais e o lugar de origem: interior nordestinense. A cabeça grande, pensa, meio pensa, por causa do peso das ilusões.
Saudade da mãe que era tão boa... Tão boa quanto “tia de creche”, dessas que criam duzentos brasileirinhos como se cuidasse de duzentos burreguinhos enjeitados. Mas, tal dizer seria mais apropriado no tempo em que mula era transporte nacional.
A idade estava entre dezoito ou vinte anos; a cara lânguida de quem almoça e janta vento, não se mostrava nítida. De surpreendente habilidade com as palavras, despertava inveja em doutores, nos outorgados pela pior educação do mundo. Exímio trovador, rimador e repentista. Mas, sua canção preferida era “Brasil, mostra tua cara...”.
A saudade da mãe era o que mais o amofinava: fenecia-o! Fechava os olhos míope-astigmáticos e revia a cena que lhe provava a nobreza: quando a mãe – descendência sesmeira – tirava a terra das mãos na água lamacenta do açude, apareciam as enormes veias azuis, abarrotadas de sangue nobre.
Do pai não sentia saudade alguma. E se lhe despertava alguma lembrança, era lembrança ruim. Só servia para lhe causar tristeza e vergonha. Ah, se morresse fuzilado por todos os canhões do rei! Bebia cachaça, surrava a todos, não trabalhava, se prostituía e prostituía a família...
Não prestava, era negro – quase negro - e acusava aos portugueses de lhe ter escravizado os antepassados. A família retrucava: os portugueses não escravizavam ninguém. Apenas compravam “mercadorias” à venda nos portos africanos e traziam-na ao Brasil.
Antepassados guerreiros que não comiam para morrer de fome durante a travessia, antes, portanto, de chegar às terras tupiniquins. Preferiam tornar-se comida de peixes a ser escravos! Os marinheiros, então, escancaravam-lhes a boca e atravessavam um pedaço de pau. Enfiavam-lhe, então, alimento goela a baixo. Custaram muito dinheiro e não tinham direito à greve de fome!
Ao encontro de Saúvinha veio a grande multidão e ele pensou: “nunca hei de lá voltar”. Mas a multidão arrefeceu e achou por bem não manchar suas vestes brancas com sangue mestiço, pagar coisa ruim como se de primeira fosse.
Saúvinha pensou, mas antes respirou: “eles são muitos, mas não sabem voar”. Engano fatal: um anjo esquisito desceu do céu e o embrulhou num manto marrom e ninguém sabe, ninguém viu... Foi só uma vida sem futuro, como qualquer outra vida brasileira!